Moradores de favelas de São Paulo se revoltam com acusação de que provocam incêndios

“Fala para eles virem morar aqui na comunidade”, irrita-se uma moradora de Heliópolis; na véspera, o vereador Toninho Paiva insinuou interesse financeiro nas ocorrências

Maria das Dores acredita que as declarações refletem o desconhecimento dos problemas (Foto: Danilo Ramos. RBA)

São Paulo – Moradores de comunidades carentes que foram incendiadas nos últimos anos na capital reagiram com indignação às declarações de dois subprefeitos e um vereador proferidas ontem (18) durante reunião da CPI dos Incêndios em Favelas na Câmara Municipal de São Paulo. Os representantes da administração Gilberto Kassab (PSD) e Toninho Paiva (PR) sugeriram que os moradores provocam incêndios para terem acesso ao auxílio-aluguel de R$ 350 concedido às pessoas que perdem seus bens nas áreas incendiadas.

“Fala para eles virem morar aqui na comunidade pra ver como é nossa vida”, irritou-se Maria do Carmo Galvão, moradora da favela de Heliópolis, zona sul de São Paulo, em conversa com a RBA. A comunidade sofreu com um incêndio em 2008. De lá para cá, em toda a cidade são quase 600 ocorrências. “Ninguém é louco de fazer isso porque com os R$ 300 do bolsa-aluguel não dá para fazer nada. Tenho uma colega que está alugando uma casa aqui e está cobrando R$ 700 por mês mais três meses adiantado.” Sílvia dos Santos, que também mora em Heliópolis, classificou as declarações do vereador como um absurdo. “Se é um camarada desses que está lutando por nossos direitos, estamos perdidos.”

Em sua intervenção na CPI, o parlamentar reeleito Toninho Paiva (PR) fez perguntas que sugeriram uma ação intencional dos moradores em colocar fogo nos barracos. “Eu gostaria de saber a quem interessa isso aí. Quem está interessado em pagamento por um ano? Quem está interessado em construir rapidamente, refazer os barracos?”, questionou. “Acho que cabe a essa Casa aqui se debruçar e procurar realmente a fundo quem está interessado nesses incêndios aí.”

A indignação dos moradores também se faz presente na favela da Vila Prudente, na zona leste da capital, cujos barracos foram consumidos pelas chamas no último mês de agosto. “Isso não acontece. As pessoas que perdem suas casas ficam à mercê da Secretaria de Habitação, cujos projetos giram em torno de especulação. E aí as pessoas acabam indo para a casa de familiares ou amigos e as crianças acabam perdendo aula”, rebateu Genival de Barros, que mora na comunidade. Sua vizinha, Maria das Dores Rodrigues, é outra moradora que lamenta as declarações. “As pessoas lutam tanto pra conseguir o pouco que têm. Se eles tivessem visto o desespero de todos aqui no dia do incêndio, não falariam isso.”

Durante sessão da CPI, ontem, o vereador Toninho Paiva disse que achou estranho um fato apresentado pelo subprefeito do Jabaquara, o coronel Roberto Ney Campanhã. Segundo o militar, depois de receber o auxílio-aluguel, 45 famílias que moravam na favela Babilônia voltaram a construir barracos no mesmo terreno. Já os moradores da favela Nair, na zona leste, teriam reconstruído seus barracos, “com madeira nova”, mesmo sem receber o benefício – segundo relato do subprefeito de São Miguel Paulista, coronel Luiz Massao Kita. A área onde se instalou a favela Nair pertence ao grupo Votorantim e começou a ser reocupada no início de junho, dois meses depois que o fogo consumiu 225 barracos.