Em São Paulo, ações contra incêndios em favelas ficam no papel

RBA percorreu cinco comunidades 'contempladas' pelo programa da prefeitura: em três delas, moradores nunca ouviram falar da iniciativa; em uma receberam apenas cursos; e na última ainda aguardam mangueiras e hidrantes

No Recanto dos Humildes, hidrante dentro do quintal da residência vira brinquedo para crianças (Fotos: Danilo Ramos/ RBA)

São Paulo – Comerciantes, moradores e líderes comunitários em pelo menos três favelas em que a prefeitura afirma existir o Programa de Prevenção de Incêndios em Assentamentos Precários (Previn) desconhecem ações relacionadas ao projeto. Em nenhuma delas a Secretaria das Subprefeituras treinou brigadistas, instalou hidrantes ou entregou equipamentos de segurança, como prevê o programa.

Durante dois dias, a reportagem da Rede Brasil Atual percorreu as favelas Jardim da Paz, em Perus, Heliópolis, na zona leste, e Alba, na zona sul, e não identificou presença do Previn. Elas fazem parte de uma lista oficial de 51 lugares contemplados pelo programa, elaborada em março de 2011. A lista foi obtida com a prefeitura pelo Coletivo Fogo no Barraco, por meio da Lei de Acesso à Informação.

“Nunca fui informada de nenhum programa nesses moldes”, afirma a vice-presidente da associação de moradores do Recanto dos Humildes, Georgina Nascimento, bairro onde fica o Jardim da Paz. Simone Fernandes, que faz parte da associação de moradores do próprio Jardim da Paz, também desconhece o programa. “Já tivemos três incêndios aqui e nunca ninguém nos procurou para implantação do programa. Se houvesse com certeza saberíamos”.

Em mais de uma hora de circulação pelo bairro encontramos apenas dois hidrantes antigos. Um deles, completamente desativado, está instalado no quintal da dona de casa Camila dos Santos, que vive há 14 anos na residência. “Ele sempre esteve aqui. Já fomos na Sabesp e no Corpo de Bombeiros, mas ninguém nunca usou ou se propôs a tirá-lo daqui. Não tem nem registro”.

Na favela do Heliópolis, região sudeste de São Paulo, a situação se repete. O projeto, que seria instalado em uma região designada como Gleba F, é desconhecido por moradores e por membros da União de Núcleos, Associações e Sociedades dos Moradores de Heliópolis e São João Clímaco (Unas). 

“Aqui em Heliópolis tem esse troço?”, surpreendeu-se Marilene

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Rosa, uma das funcionárias da unidade da Unas na Gleba F. As colegas de trabalho também desconhecem o programa: “Pode rodar por aqui que você não vai ver nenhum hidrante, nem em viela nem em rua aberta”, afirma Silvia Melo dos Santos.

A favela Alba, que pegou fogo em agosto, também não possui ações do programa, de acordo com moradores e comerciantes do local. Os líderes comunitários Daniel Almeida e Marilene Alves afirmaram que há mais de quatro anos houve uma movimentação para instalação do programa, que não teve continuidade. “Eu lembro que teve um curso [para brigadistas], mas acho que foi de malandragem. Só foi para encher nome. Não vingou aqui não”, afirma Almeida. 

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“Não teve hidrante nem extintor de incêndio. Acho que o curso nem chegou a ser finalizado”, suspeita o cabeleireiro Vicente Paulo, que há oito anos trabalha na comunidade.

A Secretaria das Subprefeituras, responsável pelo programa, solicitou que a Rede Brasil Atual envie os endereços das favelas em que o programa não foi encontrado e se comprometeu a apurar porque as ações inda estão desconhecidas.

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Em funcionamento

Em duas das favelas visitadas pela reportagem, o programa foi iniciado. A mais adiantada é a São Remo, no Butantã, onde 10 brigadistas foram treinados e receberam o diploma e os equipamentos de segurança – botas, capa, capacete, luvas e máscara de proteção, além de extintor de incêndio e de um pó químico para misturar na água. Ainda faltam hidrantes e mangueiras.

“A roupa é show de bola, bonita demais. O problema é a bota, que é 42 para quem calça 34! Me sinto o Ronald McDonalds com ela”, brinca Laura da Silva, uma das brigadistas voluntárias. Ela diz que entrou na brigada para “ajudar a comunidade”.

Foi a mesma vontade que fez Sueli Aquino também participar do curso. Ela já colocou os conhecimentos em prática em um pequeno incêndio num fio de eletricidade. “O fogo já tava passando para as árvores. Tinha muitas crianças com suas mães e a primeira coisa que eu fiz foi afastar todo mundo. Cinco minutos depois chegou o primeiro carro de bombeiro com o tenente que nos deu o curso”.

Na favela da Vila Prudente, que também pegou fogo em agosto, o programa existe, mas os seis brigadistas treinados só receberam, até agora, diplomas.

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“A gente cobra os materiais direto, mas ainda não chegou. Já aconteceu um incêndio aqui e nós [brigadista] tivemos que apagar com balde. A gente não tinha como se identificar para deixarem a gente entrar no local”, conta Maria das Dores Rodrigues, uma das brigadistas. Ela lembra que eles têm o papel apenas controlar o início do incêndio e de organizar a retirada das pessoas para evitar acidente. 

Animada e muito orgulhosa com a nova função, Maria conta os cerca de R$ 600 que ganha mensalmente para fazer parte da brigada tem sustentado a família, já que o marido está desempregado. 

A Secretaria das Subprefeituras afirmou que a iniciativa ainda está em implantação e que até o final do ano os equipamentos devem ser entregues aos brigadistas.

Colaborou Gisele Brito

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