Movimentos de moradia enfrentam precariedade em imóveis ocupados em São Paulo

Área federal ocupada em ação unificada estava completamente abandonada. Sem luz ou água sem-teto improvisam enquanto aguardam definições

Nove áreas foram ocupadas em ação unificada. Prédio na rua Dr. Penaforte Mendes permanece ocupado. (Fotos: Gerardo Lazzari. RBA)

São Paulo – Escuridão total. Entulho. Animais mortos. O ambiente é caótico. Mas era ainda pior horas antes. “A gente deu uma limpada”, explica Maria Luísa Martins Feitosa, uma das pessoas que ocuparam um prédio abandonada há pelo menos 10 anos na rua Doutor Penaforte Mendes, na região central de São Paulo. A informação – ainda não confirmada – dos movimentos é que o prédio de cinco andares pertence à Fundação Banco do Brasil. O edifício é uma das nove áreas federais ocupadas na madrugada do dia 3 por movimentos sem-teto com o intuito de agilizar a destinação dos mesmos para a construção de habitação de interesse social.

Na primeira noite, cerca de 50 pessoas acamparam no local. Ao amanhecer, a maioria foi trabalhar. Durante todo o dia de ontem, apenas quatro guardiões mantinham a ocupação. Maria Luísa é uma delas. Ela nunca havia participado de outra ação do tipo e conta que mora em um barraco de madeira em uma favela no extremo sul da cidade, alvo constante da violência de bandidos. Ela e o marido – que ficou cuidando do barraco e dos animais do casal – estão desempregados e, por isso, resolveu aderir ao movimento para tentar uma casa no centro. “É muita gente sem moradia, e um prédio como esse abandonado”, lamenta. Ela optou por improvisar com papelões uma cama no último andar. Só é possível subir pelas escadas, cheias de entulho e com degraus quebrados, com a ajuda de uma lanterna. “Mas muita gente já conseguiu seu teto por meio do movimento”, diz.

A esperança de finalmente ter uma casa também motivou Flor de Liz Lurdes Atico, de 54 anos, e seu filho Jackson Atico, de 35. Evangélicos, conheceram o movimento de moradia por meio de uma “irmã” da igreja. Antes de ir parar no prédio da Dr. Penaforte, eles dividiam uma quitinete com outras quatro pessoas. “A gente morava com a minha outra filha. Mas era muito complicado. Morar com o genro, você sabe como é. Era muita gente amontoada naquele espaço muito pequeno. A gente ficava agoniado”, justifica Lurdes. Agora, os dois dividem um colchão de solteiro, em um dos poucos espaços do prédio que tem porta. “A gente nem imaginava viver uma situação dessas. Mas a vida dá muitas voltas”. Os dois também estão desempregados e eventualmente fazem bicos. 

Desempregados, mãe e filho dividem um colchão de solteiro

“Quando nós chegamos, muitas vezes não temos informações sobre como o local está por dentro. Esse aqui foi um caso desses. Aí é muito complicado você dizer para as famílias permanecerem. Para isso, nós temos de criar condições. Água e luz, pelo menos”, conta o coordenador do Movimento de Moradia da Cidade de São Paulo (MMC), Luiz Gonzaga da Silva, o Gegê. Ele lembra que outros prédios ocupados na cidade já estiveram em condições piores, mas que, depois de mutirões, oferecem condições mínimas para abrigar as famílias. Caso de um prédio na rua Martins Fontes, próxima à Consolação, no centro, ocupado desde 2011. “Quando a gente ocupou aquele prédio não tinha a menor condição de permanecer lá dentro e como não teve negociação resolvemos permanecer e fomos criando as condições”, conta Gegê. 

Prédio de cinco andares está abandonado há pelo menos 10 anos

O objetivo dos movimentos é que os prédios abandonados voltem a cumprir plenamente sua função social, como manda a Constituição. Para isso, exigem que eles sejam decretados de interesse social e sejam reformados ou demolidos para que outros sejam erguidos e possam atender especialmente famílias com renda de até três salários mínimos, grupo que menos interessa ao setor imobiliário e no qual, não por acaso, se concentra a maior parte do deficit habitacional. 

“Muita gente trabalha e não consegue consegue nunca ter uma casa. O metro quadrado nos cortiços está caríssimo, quase o mesmo valor do cobrado na avenida Paulista”, lembra Donizete Redondo, membro do MMC e que diz já ter perdido as contas de quantos imóveis ocupou. “A gente ocupa por isso. Por causa desse abandono total. De um lado um povo abandonado e de outro uma propriedade abandonada. É contra isso que a gente luta. É isso que a gente quer denunciar”.