Prefeitos e especialistas discordam sobre viabilidade de cidades sustentáveis sem verba federal

Programa Cidades Sustentáveis tem 100 metas mínimas para prefeitos e vereadores incrementarem qualidade de vida nos municípios que irão administrar até 2016

São Paulo – Prefeitos e especialistas em sustentabilidade discordaram na última quinta-feira (23) sobre a capacidade dos municípios brasileiros de construir cidades mais sustentáveis independentemente da liberação de verbas federais e estaduais. As discussões ocorreram durante o lançamento de uma publicação do Programa Cidades Sustentáveis com 100 metas mínimas para que os próximos prefeitos e vereadores incrementem a qualidade de vida nos municípios que irão administrar até 2016.

O documento sugere quais objetivos devem ser perseguidos (universalização do saneamento básico, extinção do analfabetismo, ampliação de áreas verdes etc.) e estipula indicadores para que as políticas públicas sejam constantemente avaliadas em cada área do governo. Também cita algumas cidades do Brasil e do mundo que encontraram soluções criativas para os problemas que afetavam a rotina de seus cidadãos.

“Existe uma falsa premissa de que é preciso muito dinheiro para promover qualidade de vida”, defende o jornalista André Trigueiro, especialista em sustentabilidade. “Muitas decisões podem ter lugar no próprio município e prescindir do amparo das verbas federais.” Trigueiro lembra que algumas cidades têm conseguido bons resultados na área ambiental, por exemplo, firmando pactos com a sociedade civil e estimulando o engajamento da população em causas comuns, como o desmatamento.

Para reduzir a dependência das verbas de Brasília, pontua o jornalista, a área fiscal pode ser um ponto de partida interessante. “Com o chamado IPTU Verde é possível elaborar regras de isenção do imposto predial para o cidadão que queira trabalhar a favor de metas e indicadores ecológicos”, ilustra. “Isso não requer grandes recursos. É bom senso, e faz a diferença.” O IPTU Verde beneficiaria proprietários de imóveis que, entre outras ações, reciclasse todo seu lixo, reduzisse consumo de água ou plantasse árvores.

“Ao menos 14 estados que já adotaram o ICMS ecológico, que submete o repasse de recursos estaduais para o município a um critério de pontuação em destinação correta do lixo, proteção de mananciais e nascentes, saúde das bacias hidrográficas e áreas verdes”, complementa André Trigueiro. “Os municípios são ranqueados e os que estiverem em melhor colocação farão jus a um repasse mais calórico de recursos. Isso ajuda.”

Mas nem todos concordam. “As limitações financeiras existem e devem ser levadas em conta quando formos cobrar os prefeitos sobre o cumprimento das metas de sustentabilidade”, argumenta Emídio de Souza, que administra a cidade de Osasco, na Região Metropolitana de São Paulo, e é um dos coordenadores da Frente Nacional dos Prefeitos. “A adesão dos candidatos ao compromisso é importante, mas, depois das eleições, temos de ajudá-los a cumpri-lo.”

Emídio resgata a importância da articulação entre município, estado e união para a execução de políticas públicas. Até porque, lembra, a maioria das cidades brasileiras depende dos investimentos estaduais e federais para tirar seus projetos do papel. “Há boas experiências pelo Brasil e pelo mundo, mas a falta de recursos próprios é real. Não é apenas uma questão de que o prefeito não faz porque não quer.”

O representante da Frente Nacional de Prefeitos explica que cidades encravadas em regiões metropolitanas enfrentam um desafio especial, uma vez que suas dinâmicas – e seus problemas – muitas vezes dependem da relação com outros municípios. Em algumas, o nível de urbanização é tamanho que já não existe zona rural, e a falta de espaço é crônica. “As cidades devem se reinventar dentro das condições que possuem. Por isso, a concertação entre as diferentes esferas de poder é tão importante.”

O presidente da Associação Brasileira de Municípios, Eduardo Tadeu, mandatário de Várzea Paulista (SP), pontuou ainda que, em alguns casos, os executivos também se veem travados pelo sistema político e eleitoral. “Temos de pensar numa reforma política, porque os prefeitos são eleitos dentro de um sistema rígido que pode engessá-los.”

No entanto, nada justifica determinadas posturas, como o apoio que muitos prefeitos prestaram aos ruralistas durante a votação do novo Código Florestal – é o que diz Vicente Andreu Guillo, presidente da Agência Nacional de Águas (ANA), que representou a ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, durante o lançamento das metas do Programa Cidades Sustentáveis. Guillo compreende que muitos municípios dependem da agricultura para sustentar suas economias e empregar suas populações, mas não está de acordo com prefeitos que decretaram todo território municipal como área urbana, mesmo sem sê-lo, apenas para escapar das determinações do novo código.

“Além de assinar o documento sobre sustentabilidade, gostaria que os prefeitos também se comprometessem com questões concretas e políticas”, pediu. “O Código Florestal tem uma grande repercussão e rebatimento na questão urbana – e a batalha ainda não está concluída.” O presidente da ANA destacou o caso de Maringá (PR), um município que vive da produção de grãos, mas onde uma articulação entre poder público e sociedade civil garantiu conquistas ambientais que superam os mínimos determinados pelas leis federais – e também pelo Código Florestal que está em discussão.

“Enquanto se debate no Congresso Nacional se a área de proteção dos fundos de vale passa de 30 para 15 metros no perímetro urbano, lá em Maringá passamos de 30 para 60 metros. Ninguém pode nos impedir de fazer isso”, lembrou o prefeito da cidade, Sílvio Barros. “Se há uma autoridade que pode ajudar na construção de um mundo sustentável, essa autoridade é o prefeito, mais do que os presidentes e os governadores. O prefeito tem mais autonomia e proximidade com a população para promover as mudanças.”