Lojistas e moradores da Luz, em SP, se rebelam contra privatização do bairro

Em grande protesto marcado para amanhã (24), manifestantes vão fechar lojas da Santa Ifigênia e pedir que candidatos a prefeito revejam o projeto de Kassab

Ganhadora da licitação da Nova Luz poderá desapropriar quem e como desejar (Foto: Maurício Morais/Arquivo/Rede Brasil Atual)

 São Paulo – Comerciantes e moradores da região da Santa Ifigênia, no centro de São Paulo, fazem amanhã (24) uma grande manifestação contra o projeto Nova Luz, que prevê a desapropriação de 45 quadras do bairro em favor de grupos privados ligados à especulação imobiliária. Movimentos sociais também participam do protesto. Os donos das lojas, conhecidas pela venda de produtos eletroeletrônicos, prometem baixar as portas a partir das 14h.

O projeto Nova Luz, de autoria da administração Gilberto Kassab (PSD), pretende demolir de metade do bairro e entregá-lo a novos empreendimentos. Segundo os manifestantes, a “privatização” irá afetar 50 mil trabalhadores, 15 mil famílias e outras 15 mil empresas. 

Candidatos e candidatas à prefeitura de São Paulo foram convidados à participar e a assinar um termo de compromisso com revisão do Nova Luz, alterando-o para que tenha participação popular e não contemple me privatização da área me a desapropriação de imóveis regulares. Segundo a assessoria das entidades envolvidas, Fernando Haddad (PT), Celso Russomano (PRB), Carlos Giannazi (PSOL) Gabriel Chalita (PMDB) e Paulinho da Força (PDT) já confirmaram presença.

 O Nova Luz já passou por quase todas as etapas formais para que seja concretizado. O projeto espera pela aprovação da Câmara Técnica de Legislação Urbana, e então a licitação será aberta. Poderão concorrer consórcios de empresas ou mesmo uma única empresa. O ganhador administrará a área pelos próximos 20 anos e terá poder para desaproriar, vender e alugar o que desejar. Não há compromisso legal da concessionária de realocar os desapropriados dentro do bairro.

“A prefeitura promete, mas nunca se compromete. Verbalmente, ela diz que somente 300 famílias serão afetadas, mas nós perguntamos quem são essas famílias, e eles não respondem. A secretaria de Habitação já falou que esse é um dado estimado e que esse número pode mudar”, disse Antônio Santana, presidente da Associação dos Moradores do bairro Santa Ifigênia. 

De acordo com o projeto urbanístico, os 30% dos imóveis que vão ser mantidos não necessariamente vão estar nas mãos dos mesmos proprietários. Segundo Santana, o projeto não tem qualquer participação popular. “A prefeitura fez audiências públicas de forma teatral e diz que todo mundo foi ouvido. É verdade, mas nada do que dissemos foi apreciado”, comentou ele. Segundo Santana, a prefeitura diz que os atuais moradores, assim que desapropriados, terão prioridade na aquisição dos imóveis de interesse social, mas não firmou nenhum compromisso legal que ateste isso.

A manifestação parece ser um dos últimos recursos dos moradores e dos comerciantes. “Estamos nessa briga juntos desde 2009, quando a gente tentou que a lei de concessão urbanística, a base do projeto Nova Luz, fosse alterada. Em 2011, o Ministério Público Estadual encaminhou um termo de ajustamento de conduta à prefeitura para garantir que as famílias permanecessem com suas propriedades, após a concessão, mas ela se recusou a alterar o projeto. Nada do que a sociedade civil propôs para o Nova Luz  foi levado em consideração”, contou. Atualmente, segundo Santana, há três ações diretas de inconstitucionalidade, movidas pelo Ministério Público Federal, pelo PSOL e por um sindicato, já que para fazê-lo é preciso ser uma entidade com representatividade nacional.

A lei de concessão urbanística que moradores e comerciantes consideram inconstitucional dão às concessionárias urbanas o direito de desapropriar. Lucila Lacreta, arquiteta e urbanista do movimento Defenda São Paulo, disse que esse é um poder indelegável. “Essa concessão urbanística é completamente irregular. Uma desapropriação só pode ser feita com exclusivo interesse público, como para construir escolas e ruas. A Constituição Federal diz que a desapropriação só pode ser feita pelo poder Executivo, para atender uma demanda coletiva”, disse ela.

“Essa invenção da concessão urbanística é inaceitável e própria de São Paulo. Nós entendemos que essa gestão [a de Kassab] criou esse mecanismo pra privilegiar o setor imobiliário”, comentou ainda Lucila. Ela disse que essas leis e o Nova Luz atendem o interesse do Sindicato de Habtiação, o Secovi, o sindicato patronal de construtoras. “Esse projeto foi uma coisa que o mercado imobiliário criou. O Kassab é representante dele e pôs ele sobre maior importância que qualquer outra coisa”.

Para ela, a prefeitura deveria se preocupar em melhorar as condições da região. “Eles [os comerciantes] são os segundos pagadores de ICMS do município. Aquelas propriedades estão cumprindo suas funções sociais. Ainda que possam estar mal pintadas e mal decoradas, elas são lojas, depósitos e moradias. Foi o poder público que não limpou, não asfaltou e deixou o pessoal do crack se instalar ali”, acusou.

Os comerciantes da região dificilmente continuarão ali se o Nova Luz prevalecer, segundo Francisco Poli, gerente de shoppings do bairro e presidente da associação que reúne os comerciantes. “Se as lojas saíssem, não se tem ideia de onde poderíamos ir. A Santa Ifigênia acabaria. Há 100 anos de tradição de comércio. De eletroeletrônicos, tem mais ou menos 50 anos”, comentou. Ele explicou que os imóveis vão ser adquiridos pelos valores venais de Imposto Predial e Territorial Urbano, muito inferiores aos de mercado. “Os moradores e proprietários de comércio vão ter de readquirir os imóveis por valores muitos mais altos dos que lhes vão ser pagos, e eles não têm condições disso”.

“Para o poder público, seria um desastre, pois seriam milhões e milhões de reais em impostos que deixarão de ser arrecadados. É um projeto que pretende tornar a área mais bonita, só visa a estética. Existe uma unanimidade contra o projeto. Só o prefeito insiste nele, o que é no mínimo, suspeito ”, disse ainda Poli.

Ele contou ainda que os envolvidos na manifestação continuarão com os processos judiciais que estão em andamento e que entrarão com recurso na Organização Internacional do Trabalho. “O projeto não vai acontecer. Nós não vamos permitir”.