Desabrigados da favela Humaitá, em SP, dormem e comem em vestiário de clube

Moradores afirmam que crianças e adultos estão adoecendo depois de terem ido para o abrigo

Incêncio ocorrido no último dia 27 deixou cerca de 400 desabrigados (Foto: Fotoarena/Folhapress)

São Paulo – O vestiário utilizado durante o verão pelos usuários das piscinas do Clube Escola Pelezão, na Lapa, zona oeste de São Paulo, tornou-se a casa provisória de 38 desabrigados do incêndio na favela Humaitá, na zona oeste de São Paulo, ocorrido na madrugada na última sexta-feira (27). Divididos entre homens e mulheres, eles dormem e se alimentam no chão do vestiário sobre colchões doados pela prefeitura. São responsáveis pela limpeza do local e dos sanitários, que são separados do vestiário por uma parede. 

Três mulheres relataram que algumas pessoas ficaram doentes depois da transferência para o clube, que ocorreu no mesmo dia do incêndio, com febre e vômito. Entre elas, uma adolescente de 14 anos e uma criança de dois, que teve de ser levada ao hospital. Não há equipe médica no abrigo.

As assistentes sociais que trabalham no local afirmaram não ter informações sobre pessoas doentes, e a diretoria do clube informou que não tem estrutura adequada para receber as pessoas, mas que está empenhada em fazer o melhor possível. “Tem muita gente passando mal, vomitando, eu mesma passei por isso”, contou Elite da Silva, de 30 anos, que perdeu tudo no incêndio.

A principal reclamação dos desabrigados é a comida. “Meu bebê engoliu duas pedras que estavam no feijão e recebeu leite coalhado para a mamadeira”, contou Thais Correa, de 20 anos, que trabalha em uma empresa de limpeza geral. “Ele pegou uma bactéria (infecção) e emagreceu muito. Faltou pouco para ficar internado.”

Thais morava com o filho, o marido e a cunhada em uma casa pequena reformada uma semana antes do incêndio. Assim como os outros moradores ela ainda não sabe o destino da família. “Soube que em um outro caso de incêndio de favela as pessoas foram despejadas na rua. Eu até chorei quando me falaram isso. Estou com medo disso, principalmente por causa do meu filho.”

Um representante da prefeitura visitou o abrigo improvisado para realizar um cadastro das famílias, de acordo com Thais. Na ocasião, eles informaram que os desabrigados receberiam bolsa-aluguel por dois anos e depois disso seriam transferidos para habitações populares da prefeitura. Ela disse que também receberam a visita de um candidato a vereador, interessado em saber quantos estavam com o título de eleitor.

Apesar de ser um clube público, o acesso à área onde estão os desabrigados não é liberada sem autorização da prefeitura. A assessoria de imprensa do órgão não permitiu fotos e vídeos e um membro da segurança acompanhou a equipe de reportagem em parte da visita.

Aborto

Eliete Silva, alojada no clube, há dois dias perdeu o bebê de quatro meses que esperava. Segunda-feira (30), ela começou a vomitar sangue e foi levada às pressas para o pronto socorro do Hospital da Lapa. “O médico me disse que foi intoxicação pela fumaça do incêndio, e que o bebê já estava morto havia alguns dias, mas eu não acho isso, porque ainda sentia ele mexendo depois que cheguei aqui”, conta. “Penso que se fosse assim mais crianças que passaram pelo incêndio também teriam problemas de saúde.” 

O bebê seria o segundo filho de Eliete. O primeiro, de 14 anos, está internado na Fundação Casa. Ela e o marido trabalhavam como catadores de materiais recicláveis e perderam os carrinhos no incêndio.

De acordo com as assistentes sociais, a maior parte dos cerca de 400 desabrigados foi para casas de amigos e parentes. Além dos que foram para o clube, há um grupo que se negou a deixar o local e está acampado em uma praça próxima, em tendas de lona. Eliete disse que uma família de amigos dela ocupou um container vazio e improvisou uma residência.

Comissão

Alguns moradores da favela criaram uma comissão para reivindicar moradias sociais para os desabrigados. Eles tentarão uma reunião com representantes da Secretaria de Habitação da prefeitura de São Paulo ainda nesta semana, de acordo com um membro do grupo, que trabalha como agente de saúde e preferiu não se identificar.

A princípio eles tentariam a reunião na tarde de segunda-feira  (30), porém optaram por auxiliar a defesa civil no levantamento do número de casas destruídas pelo fogo. O órgão contabilizou 79 residências, de acordo com a Comissão.