Brasil ainda amarga falta de acesso às redes de água e esgoto

Estudo analisa situação das cem maiores cidades do país quanto a saneamento básico: municípios do Sudeste ocupam as melhores posições no ranking; serviço é mais precário nas regiões norte e sul

Situação melhorou nos últimos anos, porém metade da população continua sem acesso aos serviços de coleta de esgoto (Foto: Valter Campanato/ABr)

São Paulo – Imagine viver num país de dimensões continentais cuja economia está entre as maiores do mundo, mas onde cerca de 30 milhões de pessoas que moram nas grandes cidades ainda não têm acesso à coleta de esgoto. Esse país se chama Brasil, e o mapa do saneamento básico nos cem municípios mais populosos do território nacional foi divulgado hoje (16) pelo Instituto Trata Brasil e a GO Associados no auditório da Fundação Getúlio Vargas, em São Paulo.

O estudo se baseou nos dados no Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento Básico (SNIS), publicado regularmente pelo Ministério das Cidades. Os números mais recentes refletem a realidade do país em 2010. A pesquisa analisou três itens: nível de cobertura dos serviços de distribuição de água, coleta de esgoto e tratamento de efluentes; investimentos e melhorias realizadas na rede de água e esgoto; e nível de eficiência e perdas na distribuição de água.

Dentre as maiores cidades do país, Santos, no litoral paulista, foi a mais bem avaliada pelo ranking do Instituto Trata Brasil, que é publicado desde 2007. Segundo o estudo, todos os domicílios santistas são atendidos pela rede de água e esgoto. O desperdício também é baixo na cidade que hospeda o maior porto de cargas da América Latina: apenas 13% da água distribuída às residências de Santos acabou se perdendo.

Melhores e piores

A lista das grandes cidades brasileiras em melhor situação quanto a saneamento básico segue com Maringá (PR), Franca (SP), Uberlândia (MG) e Jundiaí (SP). Isso não quer dizer que os cinco municípios que encabeçam o ranking ostentem os melhores indicadores em todos os quesitos: a metodologia adotada pela Trata Brasil e GO Associados faz uma média ponderada do desempenho de cada cidade em cada categoria e só então classifica a qualidade dos serviços.

Entre as capitais, Brasília (DF) é a mais bem ranqueada – está em 11° lugar. Depois vêm Belo Horizonte (MG) e São Paulo (SP) entre as 20 primeiras; e Goiânia (GO), Vitória (ES), Salvador (BA), Campo Grande (MS), Rio de Janeiro (RJ), Fortaleza (CE), Florianópolis (SC) e Porto Alegre (RS) entre as 50 melhores. As demais capitais do nordeste e as capitais do norte do Brasil aparecem nas últimas colocações – da 82ª em diante.

No extremo da tabela se destaca Macapá, capital do Amapá, onde apenas 42% dos domicílios têm acesso à água, pouco mais de 5% é beneficiado com coleta de esgoto e incríveis 75% da água distribuída se perdem em sistemas de distribuição ineficientes – é o maior índice de desperdício entre as cidades analisadas pela pesquisa. No pé do ranking ainda figuram Porto Velho-RO, Jaboatão dos Guararapes-PE, Ananindeua-PA e Santarém-PA.

“Há um atraso de investimentos de muitos anos no Brasil, o que gerou um déficit muito grande: hoje há uma falta generalizada de serviços, não só no que se refere à distribuição de água, mas principalmente à coleta e tratamento de esgotos e perda de água. São índices enormes para o nível econômico que o país atingiu”, contextualiza Édison Carlos, presidente do Instituto Trata Brasil. “Convivemos com um sistema de saneamento de pelo menos três décadas atrás e vivemos com uma escassez hídrica brutal, porque as maiores fontes de água doce estão na Amazônia, longe da maioria da população.”

Desigualdade

Édison Carlos lembra que mais da metade da população brasileira não está conectada à rede de esgoto: isso quer dizer que a água do banho, da torneira ou da descarga de suas casas – quando há casa – não segue cano abaixo para alguma estação de tratamento de efluentes. São aproximadamente 100 milhões de pessoas desassistidas, número equivalente a toda população da Argentina, Colômbia e Chile juntas. A situação é ainda pior para uma parte delas. “Ainda temos 10 milhões de brasileiros que não têm acesso sequer a um banheiro digno”, critica. “É uma vergonha.”

Para o presidente do Instituto Trata Brasil, é fundamental acompanhar a evolução dos serviços de saneamento básico nas cem maiores cidades do país. Os grandes municípios brasileiros concentram 40% da população brasileira, ou seja, 77 milhões de pessoas. Concentram também a maioria das obras públicas, dos empregos e da produção econômica. Portanto, diz, deveriam puxar o desenvolvimento do Brasil também em saneamento.

Apesar dos números desanimadores, porém, a situação tem evoluído ultimamente. “A liberação de recursos para as grandes cidades brasileiras através do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) têm melhorado a situação”, contextualiza o presidente da Trata Brasil. “Hoje já temos 20 grandes municípios que universalizaram a distribuição de água e estão muito próximos da universalização da coleta e do tratamento de esgotos.”

Édison lembra que, no Brasil, a construção e ampliação das redes de água e esgoto é uma responsabilidade dos governos municipais, que, na falta de recursos próprios, podem contar com verbas federais destinadas especialmente para o setor. “As grandes cidades não podem mais reclamar que não têm dinheiro. Há R$ 10 bilhões parados no Ministério das Cidades esperando projetos de saneamento”, afirma. “É uma questão de investimento. Por que Minas, São Paulo, Rio de Janeiro e Paraná estão melhorando? Porque estão investindo. Há muito trabalho a ser feito.”

Saúde

Para o especialista, a carência histórica do Brasil em saneamento básico tem duas razões principais: as já conhecidíssimas falta de vontade política dos governos municipais e falta de pressão popular. “O brasileiro não vive sem água, é um bem vital e indiscutível, mas aprendeu a viver sem coleta de esgoto. Às vezes existe a rede, mas a pessoa não quer se conectar para não ter que pagar pelo serviço”, diz. “Os números mostram que o brasileiro não valoriza o saneamento básico e simplesmente não cobra as autoridades. Por isso, as prefeituras se sentem estimuladas a investir em outras áreas.”

E a falta de interesse político persiste apesar da importância do saneamento básico para as demais áreas da administração pública, que se traduzem em qualidade de vida para a população. Édison Carlos relaciona a inexistência de redes de água e esgoto à ocorrência de doenças, mortalidade infantil, impacto ambiental e problemas ligados ao trabalho e à educação.

Essa relação entre saneamento e saúde pode ser traduzida em números: as dez cidades brasileiras pior posicionadas no ranking do Instituto Trata Brasil registraram 546% mais casos de internações por diarreia do que as 20 melhores colocadas. A morte de crianças também foi maior: 49% entre recém-nascidos, 61% entre 1 e 4 anos de idade e 57% entre 5 e 9 anos. “A prefeitura que não investe em água e esgoto gasta mais com atendimento de saúde e perde dinheiro em educação e turismo”, conclui.

Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS) e Instituto Trata Brasil