Remoção forçada e sem garantias ameaça moradores no caminho do Rodoanel de SP

'Tivemos várias audiências, mas não mudaram um milímetro do traçado. O que falamos não foi ouvido', denuncia moradora. Quatro mil famílias podem ser despejadas sumariamente

“Queremos que governo, prefeitura e Dersa assumam compromisso documentado com a população” (Foto: Rafael Vilela/Fora do Eixo)

São Paulo – “Queremos respeito a nossos direitos”, exige Diúlia Domingues Simões. Junto com aproximadamente mil pessoas dos quatro cantos de São Paulo, essa diarista de 50 anos tomou as ruas do centro da capital na quarta-feira (11) para protestar contra uma remoção forçada da qual está prestes a ser vítima – e que até agora não lhe ofereceu qualquer garantia habitacional.

Duília é a chefe de uma das quatro mil famílias ameaçadas de despejo pelo trecho norte do Rodoanel, cujo traçado deverá passar por cima de seu bairro, o Jardim Paraná, na região da Brasilândia. “Nenhuma autoridade até hoje nos disse pra onde vamos”, lamenta. Mas não são apenas obras viárias que ameaçam os moradores do lugar: como se trata de uma área de encosta, localizada na Serra da Cantareira, o risco de desabamentos também motiva remoções.

“A prefeitura foi retirar uma das famílias e teve a audácia de oferecer auxílio de dois anos de aluguel ou R$ 5 mil, sem nenhuma outra opção”, relata. “Sair de uma área de risco nessas condições? Isso é brincar com a pessoa, desrespeitar os direitos humanos.”

Garantias

Obviamente, Duília e seus vizinhos preferiam não deixar o bairro onde vivem. “Lá temos nossos empregos, escolas e meios de transporte. Não queremos ser tirados da zona norte e ser mandados sabe-se deus pra onde”, diz. Mas os moradores até aceitam sair do Jardim Paraná e abrir espaço ao Rodoanel – desde que o poder público lhes ofereça uma alternativa digna. “Queremos que governo, prefeitura e Dersa, empresa responsável pela construção da estrada, assumam compromisso documentado com a população: onde e quando vão ser construídas as novas moradias.”

A diarista reconhece que a área onde habita é irregular, mas nem por isso acredita que tenha menos direitos sobre sua casa. Mora há 16 anos no mesmo endereço e não se conforma com a negativa do governo em indenizar, se é que vai indenizar, apenas a edificação – e não o terreno – de sua residência. “Eles estão preocupados em construir e executar o projeto sem se preocupar que no meio desses projetos existe uma coisa muito importante, que pra eles parece um simples detalhe, que é o ser humano”, lembra.

Capricho

Duília denuncia que as audiências públicas realizadas pela Dersa foram simplesmente protocolares. O presidente da empresa havia garantido aos moradores do Jardim Paraná que havia possibilidade de mudar o traçado do Rodoanel. “Tivemos várias audiências, mas não mudaram um milímetro do traçado. O que falamos não foi ouvido”, acusa. A diarista acredita que a insistência do governo em não mudar o projeto é um capricho para afastar cada vez mais a população pobre.

“Pra eles, não somos cidadãos. Aliás, somos cidadãos apenas perto das eleições. Depois, somos favelados, moradores de áreas irregulares, só isso”, critica. O desprezo do poder público pela população do Jardim Paraná se reflete ainda, segundo Duília, na desinformação a que foi condenada a comunidade sobre os projetos do governo. “Não chegou nada pra gente: nós é que corremos atrás.”

Depois da marcha realizada na quarta-feira (11), os moradores da região conseguiram uma garantia da Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano (CDHU), ligada ao governo do estado de São Paulo: devem permanecer pelo menos mais dois anos no Jardim Paraná. É uma vitória parcial, mas ainda não é o que Diúlia deseja. “Que nos respeitem, é isso que eu quero”, sublinha. “Afinal de contas, o direito à moradia digna é um dos direitos que a Constituição nos garante.”

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