São Paulo: operações urbanas são frentes de expansão do mercado imobiliário

Pesquisadora do Laboratório de Habitação da Faculdade de Arquitetura da USP, Mariana Fix diz que a expansão do mercado entra em contradição com o direito à moradia, uma marca das operações urbanas na capital paulista

São Paulo – O mercado imobiliário é o grande beneficiário das operações urbanas promovidas pela prefeitura de São Paulo. Embora a aplicação desses instrumentos urbanísticos seja justificada pela necessidade de reassentar famílias carentes, principalmente em áreas de risco, na prática, tornaram-se ferramentas de valorização da terra que beneficiam o mercado imobiliário, afirma Mariana Fix, pesquisadora do Laboratório de Habitação e Assentamentos Humanos da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU/USP). A especialista também é autora dos livros “Parceiros da exclusão” e “São Paulo cidade global”.

A alta de preços de imóveis em todo o Brasil, especialmente em capitais como Rio e São Paulo, apesar de lembrarem a bolha imobiliária norte-americana não são, de acordo com a especialista, sinais do fenômeno no país. No entanto, a majoração dos valores demonstra a expansão do mercado imobiliário que “entra em contradição com o direito à moradia”.

Na opinião de Mariana, as ações do governo de São Paulo ao investir em operações urbanas em várias partes da cidade e utilizar a concessão urbanística na região da Luz, que vai levar à privatização de 45 quadras do bairro, são expressões do fortalecimento de agentes do mercado imobiliário.

A pesquisadora participou esta semana do lançamento do livro “O enigma do capital e as crises do capitalismo”, do geógrafo britânico David Harvey, na capital paulista, quando concedeu entrevista à Rede Brasil Atual. Confira a entrevista na íntegra: 

Você percebe aumento dos nexos entre capital financeiro, imobiliário e as operações urbanas em andamento em São Paulo?

A crise se manifesta de acordo como esses nexos se estabelecem. A operação urbana não necessariamente tem a ver com financeirização. Na operação urbana Água Espraiada foi lançado um mecanismo jurídico de parceria público-privada (PPP) em uma época em que se alegava sem recursos para resolver carências urbanas. Esse era o discurso da crise fiscal do estado. O modelo faz parte da ideologia da PPP. O que houve de fato na operação urbana foi injeção brutal de recursos concentrados naquela região da cidade e o que o instrumento fez foi justificar intervenções que não eram prioritárias dizendo que ia ter custo zero. Assim uma série de obras desnecessárias foi feita. Por conta dessa associação com empreiteiras, o prefeito Paulo Maluf foi condenado. Tudo isso encoberto pela fumaça da modernização que tinha por trás da PPP. As duas principais operações urbanas – Faria Lima e Água Espraiada – representam frentes de expansão do capital imobiliário. A avenida Luís Carlos Berrini foi anterior e já tinha sido aberta. Existia disputa sobre novas frentes de expansão. A operação urbana define trecho do território em que vão ser concentrados esforços e onde vai ser gerado maior diferencial de renda e depois vai ser capturado pelos agentes imobiliários.

Como fica a população de baixa renda?

Nesses dois casos, não foi só a população de baixa renda, mas a população toda que foi deslocada. Houve tentativas de resistência mas elas foram derrotadas por essa coalização público-privada, o que alguns sociólogos chamam de teoria da growth machine – máquina imobiliária de crescimento. É uma coalização que consegue impor seu projeto sobre uma região ou a cidade toda.

O Brasil vive uma situação parecida com a norte-americana quando explodiu a bolha imobiliária? 

É diferente a maneira como opera no Brasil. O processo americano acontece com base num sistema de hipotecas que foi feito nos anos 1930. Quando a financeirização incide nos anos 1980, nos EUA, incide sobre esse sistema. Ele vai transformar em ativo financeiro essa base que já havia sido constituída de inúmeras hipotecas que foram feitas ao longo desses anos. No Brasil, quando a financeirização incide é sobre um sistema que estava absolutamente desarticulado, pós-crise do Banco Nacional de Habitação (BNH) e tudo mais. Ele não consegue fazer aqui os mesmos caminhos feitos lá. Tentou. O caminho diferentemente foi a injeção de fundo público, de várias maneiras, entre elas o programa Minha Casa, Minha Vida.

O Brasil vive agora o processo que o geógrafo britânico David Harvey citou várias vezes, em sua palestra, de construir casas e enchê-las de coisas, de eletrodomésticos e eletrônicos?

O programa Minha Casa, Minha Vida foi anunciado como uma política anticíclica como se pudesse justamente movimentar a economia pela construção de moradia e venda de equipamentos. Ao meu ver, não é uma política anticíclica.

Como proteger a população mais carente?

O preço da terra está subindo muito. O que acontece é uma política quantitativista de produção habitacional, em que se anuncia um milhão depois mais um milhão de moradias, mas não tem uma política fundiária. E é diferente de outros produtos que ao produzir mais, o preço cai. Na moradia ocorre muitas vezes o contrário, se se produz mais, gera uma pressão especulativa sobre a terra e gera uma disputa das empresas sobre a terra e gera um processo de elevação do preço e dificuldade maior. Em vez de de democratização de acesso à terra, vem a pressão do mercado para elevar a faixa de venda que é atendida pelo programa. Embora o objetivo declarado seja atender população de mais baixa renda.

Há alternativas?

Há experiência grande de luta no Brasil em torno da reforma urbana e do direito à cidade. Com movimentos sociais com reivindicação muito claras. Mas essa perspectiva foi derrotada, deixada de lado, inclusive no Minha Casa, Minha Vida. Que age de maneira a resolver o problema do capital, de acumulação, encontrar novas formas de expansão.

O Jardim Edith, na zona sul de São Paulo, é um exemplo de como a comunidade pode se organizar?

De um lado é uma vitória, é inegável. Se não fosse a luta dos moradores de lá, nem aquilo seria feito. Às vezes, é apresentado do ponto de vista do marketing pela prefeitura como um projeto feito com qualidade, mas é preciso lembrar que essa população estava sendo expulsa e a prefeitura foi obrigada a assinar TAC quando a Defensoria Pública junto com os movimentos entraram com ações jurídicas. Se você olhar que aquela quantidade de habitações é insignificante, do ponto de vista do total de pessoas expulsas lá, é uma derrota. Se você olhar que foram expulsas mais de 50 mil pessoas e estão sendo entregues algumas unidades habitacionais… Se comparar o que foi gasto na ponte estaiada Octavio Frias de Oliveira (conhecida como estilingão)… A ponte é expressão desse roubo, dessa captura de fundos públicos, porque quando a operação urbana foi feita a justificativa dela era resolver os problemas daqueles 50 núcleos de favelas que existiam naquela região. Isso foi usado para fazer mudanças na legislação de zoneamento que não permitia (a operação urbana) e depois a ponte foi inserida entre as melhorias. O próximo passo foi pensar – temos duas obras importantes – habitação social e a ponte estaiada. Então a questão é definir qual vem primeiro e definiu-se que a prioridade era a ponte. Com isso, durante todos esses anos, ela está lá, foi inaugurada, virou cartão postal da cidade e a população depois de retirada, continua morando em outros lugares e continuaria morando se não tivesse lutado. Existia na região uma série de núcleos, terrenos em que seria possível dar conta do que as operações urbanas prometiam que era todas as pessoas que moravam ali permanecerem dentro da operação. Na prática, o que acontecia é que o mapa da Zeis (Zona Especial de Interesse Social) era constantemente alterado, era apagado de maneira que a operação urbana funcione como ela é: tendo como motor a lógica da valorização imobiliária que entra em contradição com o direito à moradia.

Qual sua avaliação da política habitacional da capital paulista?

É um paradoxo, porque se anuncia, se divulga como política inovadora que promove projetos de excelência, e a gente vê que são projetos de exceção. A gente vê que ao mesmo tempo está promovendo deslocamento, expulsões e tem inúmeros exemplos aí de desrespeito ao direito à moradia, como foi o caso da favela do Sapo, do Jardim Edith e de todas as outras na expansão do Jabaquara. Os projetos habitacionais ali teriam de ter começado muito antes dos projetos de túnel e obras viárias.

A prefeitura justifica seus projetos pela questão social, mas o pano de fundo são os interesses imobiliários?

A Nova Luz é um exemplo disso. Se a questão fosse enfrentar os problemas que precisam ser enfrentados, se começaria de um jeito totalmente diferente, como se tentou outras vezes, com processos de transformação com quem mora lá. O que tenta se impor lá é pior que o modelo da operação urbana, é a concessão urbanística. Ela exacerba os mecanismos privatizantes da operação urbana. Concede a um agente privado o direito de explorar uma determinada região da cidade. É a mesma lógica de um negócio. Vai explorar e vai ser remunerado com os ganhos que ela auferir nessa operação. Ela transforma um programa social e político num grande negócio. Até agora não conseguiu! Mas tenta fazer isso.

 

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