Um ano após tragédia, Região Serrana vive medo e abandono

Além da dor pela morte de amigos, parentes e vizinhos, aniversário é ainda mais triste para os que ficaram, por revelar a morosidade e a ineficiência do poder público

Enchentes e deslizamentos marcaram cidade e população de Terezópolis, durante chuvas do último verão (Foto: Wladimir Platonow/ABr/Arquivo)

Rio de Janeiro – Completa-se nesta quinta-feira (12) um ano da maior tragédia natural da história brasileira, que deixou o terrível saldo de 918 mortos e 215 desaparecidos após as fortes chuvas que atingiram sete municípios da Região Serrana do Rio de Janeiro. Além da dor pela ausência das pessoas amadas, este aniversário é ainda mais triste para os que ficaram por revelar a morosidade e a ineficiência do poder público. 

Doze meses após a tragédia, com o retorno das chuvas fortes e o fantasma das enchentes e deslizamentos voltando a assombrar a população, é inevitável a constatação de que muito pouco foi feito para recuperar as áreas atingidas e vulneráveis nas cidades de Nova Friburgo, Petrópolis, Teresópolis, Bom Jardim, Areal, Sumidouro e São José do Vale do Rio Preto.

Apesar dos recursos que foram destinados pelos governos federal e estadual, a demora na recuperação das áreas atingidas é ponto comum nas sete cidades. A dragagem e correção de margens dos rios – alguns tiveram sua largura quadruplicada após a torrente – acontece de maneira lenta e, em alguns locais, sequer começou. Projetos como a construção de parques fluviais para impedir a ocupação irregular das margens dos rios não foram levados adiante e os radares meteorológicos prometidos logo após a tragédia ainda não têm previsão concreta de instalação. Matéria publicada pelo jornal O Globo na segunda-feira (9) revela que apenas uma das 75 pontes que o governo estadual prometeu construir ou reconstruir após a tragédia está concluída, na cidade de Bom Jardim.

Em meio ao descaso, acumulam-se denúncias de má utilização ou desvio do dinheiro público destinado à recuperação das cidades da Região Serrana. O governo federal, por intermédio da Controladoria-Geral da União (CGU), tenta recuperar R$ 10 milhões que foram entregues diretamente às prefeituras de Nova Friburgo (R$ 4 milhões) e de Teresópolis (R$ 6 milhões) para uso emergencial nos primeiros dias de 2011 e não tiveram, ao que tudo indica, utilização adequada. Além disso, a CGU já pediu prestação de contas relativas aos recursos repassados aos outros cinco municípios da região e também está analisando a destinação dos recursos – cerca de R$ 70 milhões – repassados à Secretaria Estadual de Obras no ano passado.

Até agora, as investigações sobre o desvio de recursos públicos realizadas pelo Ministério Público culminaram na cassação do prefeito de Teresópolis, Jorge Mário, e no afastamento, determinado pela Justiça, do prefeito de Nova Friburgo, Demerval Barbosa Neto, além de secretários municipais. Os dois prefeitos são acusados de montar informalmente em suas cidades consórcios com empresários para forjar ou superfaturar serviços em até 50% nos dias que se sucederam à tragédia.

Em Nova Friburgo, cidade mais atingida e que concentrou metade das vítimas das chuvas há um ano, o Ministério Público Federal já deu início a nove inquéritos civis públicos para apurar possíveis responsabilidades administrativas e criminais no desvio de recursos que chegam ao montante de R$ 1,9 milhão: “Hoje, podemos dizer que funcionários públicos e empresários se aproveitaram da tragédia para desviar dinheiro público”, afirma o procurador Marcelo Medina.

Novas enchentes

Para os habitantes das áreas atingidas pela tragédia, o abandono em que se encontram e a tristeza pela passagem da data é agravado pelo medo concreto de que as fortes chuvas de verão – que já voltaram – provoquem novas vítimas fatais. A lembrança do pesadelo surgiu na madrugada de 2 janeiro, quando as pancadas de chuva e a elevação das águas de alguns rios que cortam Nova Friburgo fizeram soar sirenes de alarme em 14 bairros, o que acabou gerando algum pânico entre a população da cidade. Segundo a Defesa Civil, apesar de as sirenes terem sido acionadas com sucesso, o plano de apoio à cidade não estava se mostrou bem estruturado. No bairro Córrego D’Antas – o mais atingido há um ano – o posto de apoio estava ocupado por uma única estagiária naquela noite.

No dia 2 de janeiro, segundo o serviço meteorológico, choveu em 24 horas cerca de 100 milímetros, marca que ultrapassou o limite de segurança previamente estabelecido pela Defesa Civil. Dias antes, em 19 de dezembro, outra forte pancada de chuva fez o rio Bengalas transbordar, invadir algumas casas e, para desespero dos moradores, arrastar a ponte que, improvisada há um ano, serve como único ponto de contato entre Córrego D’Antas e o resto do mundo.

Chuvas continuam

A preocupação dos habitantes da Região Serrana do Rio vai continuar alta nas próximas semanas, pois a meteorologia prevê que janeiro será um mês com chuvas intensas em toda a Região Sudeste do Brasil. O fenômeno climático conhecido como La Niña, que aumenta o volume das chuvas de verão em parte do país, provoca outro fenômeno, conhecido como Zona de Convergência do Atlântico Sul (ZCAS), que forma uma espécie de nuvem gigantesca que se estende da Amazônia ao Rio de Janeiro, ocasionando chuvas intensas e constantes.

 A torcida, em todo caso, é para que janeiro não repita o mês anterior, quando choveu muito mais do que o esperado pela meteorologia. O serviço Climatempo esperava que chovesse em dezembro uma média de 179,5mm e, no entanto, acabou sendo verificada uma marca duas vezes maior, com 378,9mm. A esperança dos moradores da Região Serrana, no entanto, é que não se repita o pesadelo ocorrido há um ano, quando em poucos dias choveu 450% a mais do que a média dos meses de janeiro na região.

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