Rocinha é ocupada sem confrontos; ONGs temem excessos da PM nos próximos meses

Vias bloqueadas foram liberadas e blindados da Marinha já deixaram o local. Mesmo sem ocorrências graves, direitos humanos dos moradores precisam ser assegurados

Blindados da Marinha participaram da ação, que ocorreu sem confrontos nem incidentes graves (Foto: Mariano Azevedo/Divulgação)

São Paulo – O coronel Alberto Pinheiro Neto, chefe do Estado Maior da Polícia Militar do Rio de Janeiro, afirma que a ocupação da Rocinha, do Vidigal e da Chácara do Céu, na zona sul da capital fluminense, foi concluída na madrugada deste domingo (13) sem registro de confrontos armados. A informação confirma a expectativa da Secretaria de Segurança. A preocupação de associações de moradores e ONGs de defesa de direitos humanos, no entanto, mantém-se com eventuais excessos nos próximos meses, em função do padrão de ação truculento da polícia do Rio em outras favelas.

A incursão é a primeira etapa para a consolidação da 19ª Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) em comunidades no estado. A data para a instalação efetiva não foi definida, mas o governo estadual sustenta que isso deve ocorrer em breve. As informações até o momento mesmo por parte de associações de moradores e de lideranças comunitárias sugerem que a operação correu sem problemas.

Durante a semana, de 20 pessoas procuradas por envolvimento no tráfico de drogas, incluindo Antonio Bonfim Lopes, o Nem, apontado como chefe da facção criminosa Amigos dos Amigos na Rocinha. Em função disso é que foi tomada a decisão de iniciar a ocupação já neste domingo, porque havia pouca possibilidade de embates graves.

A preocupação de organizações de defesa de direitos humanos é justamente com os próximos meses. Em nota divulgada na madrugada deste domingo, 12 entidades alertam para os riscos de excessos em função da experiência com as UPPs do Complexo do Alemão e da Penha, na zona norte. A demanda é que os governo estadual e federal “garantam que a ocupação policial seja feita com total respeito aos direitos dos moradores e de suas famílias”.

Diz a nota: “Há cerca de um ano, durante a ação da polícia no Complexo do Alemão, com apoio e participação das Forças Armadas, diversos crimes e abusos foram praticados por agentes públicos, no exercício de suas funções. No entanto, governantes, parlamentares, meios de imprensa e outras entidades ignoraram as denúncias feitas por moradores e por organizações da sociedade civil, e comprovadas posteriormente com a investigação feita pela Polícia Federal. Ainda hoje, casos de violações de direitos cometidas por soldados do Exército têm sido documentados no Alemão”.

Os ativistas defendem a necessidade da presença das forças de segurança públicas para assegurar a tranquilidade dos moradores e o cumprimento das leis. Temem, no entanto, que não sejam garantidos “direitos dos cidadãos que sempre viveram na Rocinha, e que não podem ser tratados como criminosos”. Organizações como a Justiça Global prometem monitorar os próximos passos da ação para, caso ocorram violações de direitos humanos, denunciar o caso.

A exemplo do que ocorreu na ocupação da Mangueira, em junho, um grupo de 12 integrantes do Núcleo de Defesa dos Direitos Humanos da Defensoria Pública do Rio participou da operação. A intenção foi monitorar eventuais excessos e garantir presença do órgão em pelo menos três locais de apoio. O trabalho dos defensores será realizado em conjunto ao da Associação de Moradores da Rocinha.

Ação

Veículos blindados da Marinha foram colocados em ação a partir das 4h10, com apoio de helicópteros. Às 6h, autoridades já davam por dominado o território por integrantes do Batalhão de Operações Especiais (Bope) e do Batalhão de Choque. Os veículos da Marinha saíram do local às 7h30, e os acessos à região foram liberados para carros e ônibus. O espaço aéreo, que também havia sido fechado em apoio à operação, já está aberto.

As vias haviam sido bloqueados a partir das 2h30, conforme anunciado no sábado (12), pela Secretaria de Segurança Pública. Foram 194 fuzileiros navais envolvidos, o maior contingente empregado em comunidades do Rio. A Operação Choque de Paz conta com cerca de 3 mil homens.

A única ocorrência relatada pela Secretaria de Segurança foi derramamento de óleo em vias para dificultar a mobilidade de viaturas, mas não impediu a passagem dos blindados da Marinha. Uma única prisão foi realizada, ainda segundo informações oficiais, de um fugitivo do Complexo de Gericinó, em Bangu, na zona oeste. Motos roubadas, munição e dinheiro foram apreendidos.

 

Confira a íntegra da nota

NOTA PÚBLICA SOBRE OCUPAÇÃO POLICIAL DA ROCINHA

Nós, organizações da sociedade civil do Rio de Janeiro, manifestamos a todos nossa preocupação com a situação que a Rocinha enfrenta neste momento. Exigimos do Governo do Estado e do Governo Federal que garantam que a ocupação policial de amanhã seja feita com total respeito aos direitos dos moradores e de suas famílias.

Há cerca de um ano, durante a ação da polícia no Complexo do Alemão, com apoio e participação das Forças Armadas, diversos crimes e abusos foram praticados por agentes públicos, no exercício de suas funções. No entanto, governantes, parlamentares, meios de imprensa e outras entidades ignoraram as denúncias feitas por moradores e por organizações da sociedade civil, e comprovadas posteriormente com a investigação feita pela Polícia Federal. Ainda hoje, casos de violações de direitos cometidas por soldados do Exército têm sido documentados no Alemão.

Acreditamos que todas as favelas e comunidades pobres do Rio de Janeiro têm o direito a uma vida com segurança plena garantida pelo Estado. No entanto, a presença estatal, obviamente, deve ser feita com o respeito absoluto a todos os direitos dos cidadãos que sempre viveram na Rocinha, e que não podem ser tratados como criminosos.

Estaremos atentos e não vamos tolerar:

– invasão da casa de moradores sem mandado judicial;
– abordagem policial truculenta;
– agressões, espancamentos e execuções sumárias;
– prisões arbitrárias, feitas sem qualquer prova;
– extorsão e roubo feita por grupos de policiais criminosos.

Esperamos ainda que os meios de imprensa cumpram seu dever de fiscalização da atividade policial e façam uma cobertura que relate com fidelidade e equilíbrio o momento delicado pelo qual as famílias que moram na Rocinha passam, não omitindo as denúncias dos moradores nem baseando-se exclusivamente na versão das autoridades policiais, como infelizmente a maior parte dos veículos de comunicação procedeu por ocasião da ocupação dos Complexos do Alemão e da Penha.

Lembramos, por fim, que não acreditamos que a paz seja alcançada através da violência. Exigimos que a cultura da favela seja respeitada e que os direitos a educação, saúde, moradia, entre outros, sejam encarados como prioridade pelos governos.

As entidades e organizações abaixo assinadas estão atentas e comprometem-se a receber e dar ampla divulgação a todas as denúncias comprovadas, de quaisquer violações de direitos que venham a ser cometidas na planejada ocupação.

Apafunk
Visão da Favela Brasil
Instituto de Defensores dos Direitos Humanos – DDH
Movimento Direito para quem?
Justiça Global
CDDH Petrópolis
Rede Contra a Violência
Jornal O Cidadão – Maré
TV Tagarela – Rocinha
Revista Vírus Planetário
Movimento Popular de Favelas
Rede Nacional de Jornalistas Populares – Renajorp

 

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