Oferta de serviços provoca uma segunda ocupação da Rocinha

Quem chega primeiro são empresas, privadas e públicas, que tentam ocupar o vácuo deixado pelo tráfico com oferta de TV a cabo, iluminação, coleta de lixo e distribuição de água

Potencial econômico da comunidade de 100 mil pessoas atrai interesse de empresas de serviços à Rocinha (Foto: MarceloHorn/ Governo do RJ)

Rio de Janeiro – “Eu pensei que a Rocinha iria ser ocupada pela polícia e não pelos vendedores da Net.” Captada pelos microfones das rádios e reproduzida nos jornais, a brincadeira de um morador, além de revelar o dom que tem o povo carioca de rir das próprias dificuldades, sintetiza de maneira original o que está acontecendo no período pós-ocupação policial na favela situada na zona sul do Rio de Janeiro. De olho no potencial econômico de uma comunidade que abriga, segundo estimativas extraoficiais, 100 mil pessoas, empresas públicas e privadas tentam ocupar o vácuo deixado pelo tráfico de drogas e regularizar a oferta de serviços como TV a cabo, iluminação pública, coleta de lixo e distribuição de água, entre outros.

Conhecidas na cidade como “gatonet”, as ligações clandestinas de TV a cabo, na Rocinha, eram controladas pelos traficantes do bando de Francisco Bonfim Lopes, o Nem, que cobrava dos moradores valores que variavam entre R$ 10,00 e R$ 20,00 mensais pelo serviço clandestino. Uma das primeiras medidas da polícia ao chegar à favela foi destruir as ligações clandestinas do “gatonet”, fato que provocou, de imediato, além de muita reclamação entre aqueles que ficaram sem conseguir assistir a televisão, uma demanda nos habitantes da comunidade.

Atentas à parcela de moradores da Rocinha que pode e aceita pagar um preço maior para continuar a usufruir de tevê a cabo, diversas empresas do setor colocaram nos últimos dois dias um grande número de vendedores nas entradas e saídas da comunidade. A Sky, que tem uma loja dentro da Rocinha há cerca de um ano e realizava uma média de 100 assinaturas mensais ao preço de R$ 40 cada, atingiu a média diária de 50 assinaturas nos últimos quatro dias. A Net, que costuma cobrar cerca de R$ 50 pelo pacote mais barato, deu a dezenas de vendedores a liberdade de negociar pacotes a preços mais baixos na Rocinha. Uma vendedora da empresa, que pediu para não ser identificada, afirmou ao site R7 ter vendido 500 assinaturas em três dias.

O emaranhado de fios expostos que tanto interesse desperta nos turistas que visitam a Rocinha é conseqüência também das ligações clandestinas de luz. A Light, empresa responsável pelo fornecimento de energia, há dez anos cobra pelo serviço na Rocinha como faz em qualquer outro bairro carioca, mas problemas como a dificuldade de acesso a determinados pontos da favela e a deterioração de postes e outras instalações dificultavam sua regularização plena e favoreciam o “gato”. Agora, o objetivo da empresa é recuperar o terreno perdido, e é provável que a Rocinha ganhe uma nova edição do projeto Light Recicla, que visa a estimular os clientes a trocar lixo reciclável por descontos nas contas de luz. O projeto é atualmente aplicado com sucesso junto aos moradores da favela Dona Marta, também na zona sul do Rio.

Empresa subordinada à prefeitura, a RioLuz iniciou nesta semana um levantamento dos problemas de infraestrutura no sistema de iluminação da Rocinha. Segundo a empresa, em algumas áreas onde a favela se expandiu será necessária a implantação de equipamento adicional. Em outras, o problema é a instabilidade do fornecimento causada pelo grande número de ligações clandestinas: “Precisamos discutir com a RioLuz e a Light investimentos na Rocinha”, afirmou o secretário municipal de Conservação e Serviços Públicos, Carlos Roberto Osorio.

Lixo e água

A coleta do lixo acumulado ao longo de anos de abandono, por sua vez, parece ser o maior desafio das empresas públicas na Rocinha e nas comunidades vizinhas do Vidigal e da Chácara do Céu, também ocupadas pela polícia. Trabalhando em regime de mutirão nas encostas das três favelas, a Companhia Municipal de Limpeza Urbana (Comlurb) afirma ter recolhido em dois dias cerca de 280 toneladas de detritos. A empresa anunciou que já nos próximos dias irá instalar pontos de base para a coleta de lixo nos locais de mais difícil acesso.

Também é desejo do poder público regularizar o fornecimento de água na Rocinha e nas duas favelas vizinhas. Homens da Companhia Estadual de Águas e Esgoto (Cedae) já estão cadastrando os moradores dessas comunidades no programa Água para Todos e realizando pequenos consertos em becos e vielas. A empresa anunciou que irá instalar uma nova elevatória de água nas proximidades da Rocinha, além de reformar sete elevatórias e três reservatórios de água já existentes. Segundo a Cedae, que no ano que vem voltará a cuidar também da manutenção das redes de esgoto nas favelas pacificadas do Rio, cerca de 90% dos estabelecimentos da Rocinha têm problemas de abastecimento.

Terceira invasão

Uma terceira invasão esperada para breve na Rocinha deverá ser provocada pelos bancos privados e públicos, por outros agentes do mercado financeiro e por representantes de redes de varejo e alimentação fast-food, todos atraídos pelo grande potencial econômico da comunidade e por uma infraestrutura comercial já existente. Um levantamento realizado pelo governo federal por ocasião do início das obras do PAC revelou que a Rocinha tem cerca de 6,5 mil negócios em atividade e que um terço deles funciona há mais de seis anos. Um detalhe, no entanto, impressiona: de cada dez empreendimentos, nove são informais.

Por isso, antes que as oportunidades de negócio regular comecem a aparecer em quantidade para os comerciantes da Rocinha, é preciso que a maioria dos empreendimentos na comunidade entre na formalidade. Enquanto se espera que o poder público cumpra o seu papel, algumas instituições como o Sebrae-RJ já se preparam para realizar projetos com o objetivo de capacitar profissionalmente os empreendedores locais: “Com a presença do tráfico, o comerciante da Rocinha não era estimulado a formalizar seu negócio. Dentro da lei, ele precisará pagar impostos e terá obrigações, mas também existem benefícios, como o acesso ao crédito e a possibilidade de emissão de nota fiscal”, avalia o superintendente do Sebrae-RJ, Cezar Vasquez.