Lojistas veem contradição da Prefeitura ao desapropriar bons imóveis para Nova Luz

Comerciantes, como Duarte Fernandes, criticam Prefeitura por incluir imóveis novos nas desapropriações para o projeto Nova Luz (Foto: Mauricio Morais) São Paulo – “Nunca vi revitalização que destrói construções íntegras […]

Comerciantes, como Duarte Fernandes, criticam Prefeitura por incluir imóveis novos nas desapropriações para o projeto Nova Luz (Foto: Mauricio Morais)

São Paulo – “Nunca vi revitalização que destrói construções íntegras como a que o prefeito (Gilberto Kassab) quer fazer”, desabafa Sérgio Guariglia, proprietário da loja de instrumentos musicais Contemporânea. O imóvel de Guariglia está entre os mapeados pela prefeitura de São Paulo para sofrer desapropriação, em virtude do projeto de requalificação Nova Luz (veja mapa abaixo). Comerciantes da região da Santa Ifigênia ouvidos pela Rede Brasil Atual sobre o andamento da medida na região mostraram-se indignados com o fato de imóveis novos e em boas condições também estarem listados para demolições.

O projeto Nova Luz, de iniciativa da prefeitura de São Paulo, prevê requalificar a área considerada “degradada” com intervenções urbanísticas, desapropriações e demolições de até 60% da região. Moradores e comerciantes criticam o poder público municipal pela falta de diálogo e transparência do projeto. Também são contrários ao sistema de concessão urbanística que autoriza desapropriações de imóveis em pleno uso por empresas privadas que vão lucrar com a venda deles, após as demolições.

Outro problema é o fato de o projeto não prever tratamento dos dependentes químicos que circulam em algumas ruas da região, rotulada de ‘cracolândia’. A medida deve ser aplicada a 45 quadras do bairro de Santa Ifigênia e Luz, na área delimitada pela rua Mauá e pelas avenidas Ipiranga, São João, Duque de Caxias e Cásper Líbero.

De acordo com mapa do projeto Nova Luz, publicado pela própria prefeitura, as áreas previstas para desapropriações, demolições e intervenções podem incluir quarteirões inteiros, estabelecimentos comerciais tradicionais – como o Bar Léo e a Casa Aurora – e imóveis com menos de dois anos de construção ou reforma.

Para o vice-presidente da Câmara de Dirigentes Lojistas da Santa Ifigênia, Luiz Cláudio Vieira,  “é uma contradição criar um projeto de requalificação que vai destruir exatamente o que está em excelentes condições e até prédios novos”.

Vieira assinala que a ‘revitalização’ prometida pela prefeitura de São Paulo deveria trabalhar pela recuperação do bairro, “partindo do respeito com seus moradores, trabalhadores e empresários”. Mas, o projeto Nova Luz segue em sentido contrário, diz. “O resultado desse projeto é que querem colocar no chão boa parte de um bairro histórico, bem estruturado e cheio de vida. Sem vida devem estar as ideias do prefeito para propor esse tipo de coisa”, ironiza.

Vida cultural

A loja da Contemporânia instrumentos musicais, recentemente reformada, se transforma aos sábados em ponto de encontro de artistas. No local, já se apresentaram Elis Regina, Beth Carvalho, Nelson Cavaquinho e Clara Nunes. A marca está entre as mais conhecidas no Brasil quando se fala em instrumentos de percussão. “É um crime o que estão propondo”, diz Sérgio Guariglia.

Para Young Kwan Lee, proprietário da Nodaji Casa das Fontes, o projeto de revitalização não faz sentido. “Precisa arrumar, mas sem destruir”, aponta. Imóvel de Lee, reformado há dois anos, com ares hi-tech, consta de área demarcada pela prefeitura para desapropriação e demolição.

No prédio de quatro andares do empresário funciona, além da loja, uma fábrica de fontes elétricas. Embora tenha planos de expansão para a empresa, ele decidiu paralisar as ações com receio do futuro do negócio. Lee explica que em seu país de origem as revitalizações ocorrem de forma diferente. “Na Coreia quando é preciso renovar um bairro, o governo faz parceria com os proprietários, financia a melhoria e depois as pessoas pagam”, informa.

Cifrão nos olhos

Nova Luz Mapa (Foto: Divulgação Prefeitura)Duarte Maurício Fernandes, proprietário da Casa Aurora, também tem seu imóvel em risco. Ele reformou o prédio de três andares há dois anos e ainda levará mais de um ano para terminar de pagar o empréstimo realizado para as obras.

O nome genérico da Casa Aurora reúne padaria, restaurante e pizzaria. O local é conhecido pela qualidade e sabor das pizzas que começam a ser servidas no meio da manhã. Também não é difícil ver os funcionários embalando pizzas para clientes levarem para serem degustadas em outros estados.

Fernandes só soube que seu imóvel está no mapa de desapropriações quando visitou o sítio do projeto Nova Luz na internet. “A prefeitura enxerga a região da Luz com cifrão nos olhos”, dispara. “Isto é mais do que um negócio, é a vida da minha família e de mais 60 pessoas.”

Insubstituível

As desapropriações do projeto Nova Luz também representam ameaça para a Vedabras e a JMC Comercial Elétrica, ambas perto de completar 40 anos na região. Orlando Periotto Filho, proprietário da Vedabras, considera seu ponto “insubstituível”. “Muitos clientes não sabem nosso endereço, mas sabem que é aqui”, descreve.  Caso a intenção da prefeitura de desapropriar o imóvel seja confirmada, será “difícil a marca se refazer”, porque o endereço está atrelado à ela.

Pioneiro no setor de materiais elétricos, Sérgio Monteiro Camelo, da JMC, alerta que não se muda um ponto comercial de repente.  “Meu balcão sozinho vende tanto quanto uma loja inteira”, diz em alusão ao atendimento pessoal realizado na loja. “Não é exatamente o imóvel que importa, mas o fato dos clientes saberem que vamos fazer 40 anos no mesmo lugar”, afirma.

Para a presidenta da Associação Amoaluz, Paula Ribas, integrante do conselho gestor da zona especial de interesse social (Zeis), apesar de o mapa de imóveis constar no projeto da prefeitura, ele ainda não é definitivo. Ela explica que o material entregue como consolidado não foi aprovado pelo conselho gestor, que está tendo acesso ao detalhamento do  Nova Luz apenas nos últimos dias. “Estamos trabalhando no conselho para minimizar impactos, não parar a vida social do bairro e incluir pautas sociais”, diz Paula.

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