TJ paulista julga desapropriações na Santa Ifigênia por empresa privada

Para especialistas, lei da prefeitura põe fim à propriedade privada na capital paulista

Moradores temem desapropriações. Parte do bairro é formada por prédios antigos e históricos (Foto: Maurício Morais)

São Paulo – Os desembargadores do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) julgam nesta quarta-feira (3) ação judicial contra a Lei municipal 14.917/09, que delega a empresas privadas o poder de desapropriar imóveis, por meio de contrato de concessão urbanística. A ação é movida pelo Sindicato do Comércio Varejista de Material Elétrico e Aparelhos Eletrodomésticos no estado de São Paulo (Sincoelétrico), em nome de lojistas e moradores da região da Santa Ifigênia.

A primeira concessão urbanística de São Paulo, aprovada pela Lei 14.918/09, está prevista para ocorrer no projeto de requalificação da Nova Luz. O projeto prevê intervenções urbanísticas, com desapropriações e demolições de até 60% de 45 quadras do bairro de Santa Ifigênia/Luz, na área delimitada pela rua Mauá e pelas avenidas Ipiranga, São João, Duque de Caxias e Cásper Líbero.

O principal problema da concessão na capital paulista é a desapropriação de imóveis em plena utilização para exploração econômica privada, apontam especialistas ouvidos pela Rede Brasil Atual. Embora moradores e lojistas do bairro sejam a favor da requalificação, a prefeitura enfrenta oposição à implantação desse tipo de instrumento urbanístico em uma área de prédios tombados pelo patrimônio histórico e conhecida nacionalmente pelo comércio de produtos de informática. Dados da Câmara de Dirigentes Lojistas da Santa Ifigênia indicam que há 15 mil empresas e cerca de 12 mil moradores na região.

“A prefeitura, com o pretexto de reurbanizar a área – supondo que a região está deteriorada –, lança mão do concessionário urbanístico, que vai fazer as desapropriações necessárias para a reurbanização. Só que ele é um particular e vai desapropriar para ele mesmo construir um prédio no terreno”, afirma a arquiteta e urbanista Lucila Lacreta, diretora do Movimento Defenda São Paulo. “Essa história do particular desapropriar para lucrar em cima da propriedade é um crime. Porque isso acaba com o direito de propriedade.”

Inconstitucional

Para o advogado Kiyoshi Harada, responsável pela ação judicial, a concessão urbanística é uma grande confusão conceitual. A Prefeitura estaria confundindo a possibilidade de concessão de serviço público, mediante licitação, com concessão para execução de obras urbanísticas. “O que é permitido no sistema jurídico é a concessão de serviço público seguida de execução de obras, como no caso das rodovias pedagiadas a cargo de empresas privadas particulares”, descreveu em artigo.

O especialista alega que a lei que criou a concessão urbanística em São Paulo é “ilegal e inconstitucional”. Esse tipo de terceirização do poder do ente público não está prevista na lei federal que trata sobre desapropriação e é contrária ao que prevê o Estatuto da Cidade, ensina. Ele também cita que a ferramenta urbanística cria reserva de mercado, afastando de todo um bairro a concorrência dos demais incorporadores imobiliários. A empresa que vencer a licitação de concessão da área do projeto Nova Luz terá exclusividade de benefícios e isenções fiscais.

Harada alerta para o risco de diversas outras requalificações ocorrerem em São Paulo, baseadas na expulsão de quem mora na área. “Em breve, teremos o ‘Novo Jardim Lusitânia’, o ‘Novo Bexiga’, a ‘Nova Vila Nova Conceição’”, prevê.

Matéria do jornal Folha de S. Paulo indica que o modelo estaria nos planos da Prefeitura para desapropriar imóveis no bairro da Pompeia, zona oeste da cidade.  A nova concessão pode ocorrer na área que fica entre o Parque Antarctica e a avenida Marquês de São Vicente, que faz parte da Operação Urbana Água Branca, próximo ao parque de mesmo nome, Parque Antártica e metrô Barra Funda.

Uso restrito

Segundo legislação federal, somente o poder público pode desapropriar e em casos muito restritos, motivado pelo interesse social, lembra Lucila. No caso do projeto Nova Luz, boa parte dos imóveis previstos para desapropriação e demolição, atualmente são sede de empresas ou moradias.

“Uma pessoa tem uma loja na Santa Ifigênia e em cima fica a casa dela. Aí, o concessionário urbanístico ganhou a licitação e, independentemente do lojista estar morando e da loja estar cumprindo a função social da propriedade, o concessionário diz: ‘Isso daí não está bom, eu vou te desapropriar, porque ali eu vou fazer um prédio de 10 andares, vou vender e vou lucrar’”, exemplifica Lucila.

Na mesma linha de avaliação, o urbanista Kazuo Nakano, do Instituto Pólis, se diz “muito crítico” à concessão urbanística porque “está muito claro que a ferramenta está voltada para criar oportunidades de retorno imobiliário, em detrimento a uma série de interesses legítimos de outros grupos sociais”.

Ele analisa que a resistência enfrentada pela Prefeitura à concessão urbanística é reflexo da falta participação permanente da população nos destinos da capital paulista.

“O processo de planejamento participativo e de definição de prioridades seria um primeiro passo importante para que a gente começasse a ver com clareza o que é que a cidade de São Paulo realmente precisa. Ela precisa de concessão urbanística na Nova Luz? Ela precisa de um teatro de dança de R$ 600 milhões no Anhangabaú?”, questiona. “Ninguém está tendo a oportunidade de fazer essa discussão com profundidade porque está sendo empurrado goela abaixo pela prefeitura”, critica.