Demolições do projeto Nova Luz incluem prédios construídos há menos de dois anos

Estado de conservação de edifícios não é critério para escolha de alvos da 'requalificação' da região central de São Paulo.

Em bom estado de conservação, moradia na rua dos Andradas é um dos alvos de desapropriação (Foto: Divulgação)

São Paulo – O projeto Nova Luz, uma das prioridades do prefeito Gilberto Kassab (ex-DEM, a caminho do PSD), prevê a demolição de construções novas e de imóveis antigos mas bem conservados do centro de São Paulo. A iniciativa usa o modelo de concessão urbanística que permite à iniciativa privada promover desapropriações e é justificada como um modo de “requalificar” a região, taxada como degradada.

Apesar de ainda reinarem algumas incertezas, mapa do projeto publicado pela própria prefeitura indica as áreas que estão previstas para desapropriações, demolições e intervenções, o que pode incluir quarteirões inteiros, estabelecimentos comerciais tradicionais e imóveis com menos de dois anos de construção ou reforma (confira o mapa abaixo).

Entre os imóveis que podem sofrer desapropriação estão os locais onde estão instalados o tradicional Bar Leo (fundado em 1940), conhecido ponto de encontro da região central da cidade, e a cinquentenária Casa Aurora, que reúne restaurante, padaria e pizzaria (álbum de fotos abaixo). Ambos devem ser demolidos, conforme os dados apresentados.

Mapa da demolição (Foto: Divulgação)

Mapa do Projeto Nova Luz mostra áreas que serão desapropriadas. Em laranja, estão os imóveis sujeitos à concessão urbanística, quer dizer, que serão desapropriados. Fotos produzidas por associação incluem apenas imóveis que devem ser demolidos (Foto: prefeitura de São Paulo/Divulgação )

Imóveis tombados pelo patrimônio histórico serão inicialmente poupados das desapropriações, mas deverão ser reformados de acordo com análise da prefeitura. Na impossibilidade de colocar em prática a determinação do Executivo municipal, até os prédios antigos correm o risco de serem esvaziados e, posteriormente, colocados a venda pela empresa ou consórcio que vencer a licitação para implementação do projeto urbanístico. O edital deve correr ainda no segundo semestre de 2011, segundo projeção da administração municipal.

Reversão

Para a presidente da Associação AMOALUZ, Paula Ribas, integrante do conselho gestor da Zona Especial de Interesse Social (ZEIS), apesar do mapa de imóveis a renovar estar no projeto consolidado, ainda não é definitivo. “Temos possibilidade e vamos lutar para interferir em relação às desapropriações”. Ela explica que o projeto entregue como consolidado não foi aprovado pelo Conselho Gestor, que não teve acesso ao detalhamento do projeto Nova Luz. “Estamos trabalhando no conselho para minimizar impactos, não parar a vida social do bairro e incluir pautas sociais”.

Paula enfatiza que as desapropriações serão debatidas no conselho, quando os integrantes tentarão a reversão delas. “Para conseguir realmente essas desapropriações, a Prefeitura precisa conseguir a aprovação do Conselho gestor da Zeis”.

O Projeto Nova Luz tem a própria validade urbanística questionada. Além disso, é criticado por permitir que empresas privadas possam desapropriar imóveis incluídos na operação. A legislação federal que regulamenta esse tipo de ação define que só o poder público, mediante regras específicas, pode utilizar a desapropriação em favor de um interesse social. Na semana passada, o Tribunal de Justiça de São Paulo decidiu manter a lei municipal 14.917/2009 que autoriza desapropriação por entes privados.

Desde a divulgação do projeto, em dezembro de 2010, moradores e lojistas da Santa Ifigênia e Luz são críticos à imposição das desapropriações e à falta de políticas públicas para tratamento de dependentes químicos, que consomem drogas em algumas das ruas da região. Eles também rejeitam o rótulo de “cracolândia”, empregado para se referir à área. Embora reconheçam que o uso de entorpecentes ocorra, os moradores consideram que teria havido uma espécie de “campanha” para degradar a imagem da região e justificar as remoções e a intervenção no bairro.

“O abandono foi fruto de uma política, não da falta dela. Para poder caracterizar o bairro mais antigo da cidade de São Paulo como ‘cracolândia’ e assim ter uma justificativa para realmente terminar, acabar com o bairro”, afirmou a relatora da Organização das Nações Unidas (ONU) para moradia adequada, a urbanista Raquel Rolnik, durante encontro com a comunidade da região.

No dia 11 de agosto, o prefeito Kassab apresentou o Projeto Nova Luz consolidado e disse esperar que as obras se iniciem no primeiro semestre de 2012. As ações serão implantadas pela iniciativa privada com autorização da administração municipal. Estão previstas intervenções urbanísticas, com desapropriações e demolições de até 60% das construções de 45 quadras do bairro de Santa Ifigênia e Luz, na área delimitada pela rua Mauá e pelas avenidas Ipiranga, São João, Duque de Caxias e Cásper Líbero.

De acordo com o secretário municipal de Desenvolvimento Urbano, Miguel Bucalem, 55% da superfície e 23% da área atualmente construída sofrerão transformações. Na ocasião da apresentação dos detalhes do projeto, ele não soube precisar o número de imóveis a serem desapropriados.

Prédios demolidos

Um levantamento fotográfico feito pela Câmara de Dirigentes Lojistas da Santa Ifigênia mostra quais e como estão os estabelecimentos que estão na lista de desapropriações.

 

 

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