Em São Paulo, moradores afetados por obras da prefeitura prometem ir à Justiça

Lideranças preveem dificuldades para a desapropriação de imóveis de idosos e de comunidades carentes

Moradores reclamam de projeto que vai desapropriar 28 mil pessoas no Jabaquara (Foto:RenattodSousa/Câmara Municipal de São Paulo)

São Paulo – Projetos de iniciativa do prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab (ex-DEM, rumo ao PSD), aprovados esta semana pela Câmara de Vereadores, foram recebidos com indignação pelos moradores das regiões afetadas. Pessoas afetadas por problemas em diferentes partes da cidade prometem se articular para pressionar conjuntamente a administração municipal.

Entre os motivos da revolta estão a venda de um terreno com oito equipamentos públicos no Itaim Bibi (zona oeste) e a construção de um túnel avaliado em R$ 2 bilhões no Jabaquara (zona sul). Lideranças ouvidas pela Rede Brasil Atual prometem ações na Justiça para barrar as medidas e protestos públicos contra a prefeitura.

Depois de três semanas alertas na Câmara de Vereadores, quase “acampados”, aguardando a votação do projeto, retirado diversas vezes da pauta, os moradores do Jabaquara continuam mobilizados. Segundo Marcos Munarim, morador da região, o movimento deve crescer com a adesão de outras iniciativas. “Vamos promover a união de outros grupos e movimentos que vivem dificuldade parecida com a nossa em toda a cidade”, descreve. Ele não quis detalhar que tipo de articulação seria realizada.

Na região do Jabaquara, cerca 28 mil pessoas serão desapropriadas devido à intervenção urbanística, que inclui a construção de um túnel de 2.350 metros. A obra é parte da chamada Operação Urbana Consorciada Água Espraiada, que pretende ligar a avenida Roberto Marinho – antiga Água Espraiada – à rodovia dos Imigrantes

O projeto aprovado pela Câmara dos Vereadores autoriza mudanças no projeto inicial, de 2001, que previa um túnel de 400 metros, com menor número de desapropriações e um investimento muito menor do que o exigido para o túnel agora pretendido. Também está previsto, no novo projeto, a criação de um parque linear.

“A indignação tomou conta das pessoas, mas nos mantemos organizados e animados para lutar por nossas casas”, indica Munarim. “A população aceitava o projeto original, mas agora rejeita a alteração feita”, explica. De acordo com Munarim, o projeto atual é visto como “especulação imobiliária”, voltado apenas aos interesses de construtoras. “Querem construir um ‘novo Brooklin’ no lugar das nossas casas”, avalia, em alusão ao bairro considerado nobre ou “chique”, por parte dos paulistanos.

Ele prevê que as desapropriações nos vários bairros do Jabaquara e a retirada das famílias nas comunidades serão tumultuadas. “É um barril de pólvora, porque as pessoas nas comunidades não sabem que o projeto foi aprovado e que terão de deixar suas casas”, alerta. “Sem falar no número de idosos, há décadas morando na região, que não se conformarão de serem obrigados a sair do local, sem a perspectiva de uma indenização que permita morar em outro local similar”, lembra.

“Estamos comendo o pão que o diabo amassou. Na Câmara judiaram, empurraram idosos que choravam e rezavam o tempo todo para manter suas casas. Isso não é digno”, critica.

Os moradores também prometem mover novos processos na Justiça contra a prefeitura. “Estamos nos reestruturando para nos próximos dias agirmos juridicamente. Vamos lutar para impedir essas construções desastrosas na Justiça”, diz Munarim. Ele avalia que 40% da região do Jabaquara vai desaparecer com a operação urbana. Os moradores aguardam a tramitação de uma ação civil pública, protocolada em março de 2011, no Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP).

Quarteirão da Cultura

Os 20 mil metros quadrados do Quarteirão da Cultura, liberados para venda pela Câmara dos Vereadores, sediam oito equipamentos públicos, entre eles uma creche, uma escola municipal, uma escola estadual, um teatro, uma biblioteca pública, um Centro de Atendimento Psicossocial (Caps) 24 horas, uma Unidade Básica de Saúde (UBS) e uma unidade da Apae.

De acordo com o coordenador geral do movimento SOS Itaim Bibi, Helcias Bernardo de Pádua, duas mil pessoas passam pelo local todos os dias. “O quarteirão da cultura é referência em educação, saúde e cultura”, aponta. “A prefeitura vender o local vai mexer com o bairro do Itaim e o entorno.”

Ainda nesta semana o movimento SOS Itaim Bibi deve entrar com um pedido de anulação das votações dos vereadores por descumprimento da Lei Orgânica do Município, junto ao Ministério Público (MP-SP) e a própria Câmara dos Vereadores. “O artigo 41 da Lei Orgânica determina que qualquer alteração que envolva crianças e adolescentes precisa passar por duas audiências públicas convocadas pela Câmara. Fato que não ocorreu”, adverte.

Já tramitam na Justiça dois inquéritos civis abertos pelo MP por solicitação dos moradores. Mais dois inquéritos serão solicitados, segundo Pádua. Um processo será pedido na Promotoria de Justiça de Defesa da Infância e da Juventude e outro na de Defesa da Saúde.

Outras ações de mobilização dos moradores ainda estão previstas. Um abaixo-assinado contra a venda do quarteirão, que já reuniu 12 mil assinaturas, terá continuidade no Parque do Povo, localizado no próprio Itaim Bibi. Uma assembleia popular na igreja Santa Tereza também está prevista para um balanço das ações. Em agosto, haverá caminhada de mães e alunos das escolas do Quarteirão contra a venda do terreno e possível transferência dos equipamentos públicos para o Parque do Povo.

O Conselho Estadual de Preservação do Patrimônio Histórico (Condephaat) analisa desde abril a possibilidade de tombamento da área. “Enquanto o processo está em análise nada pode ser feito nele. Quem comprar não pode alterar nada até o parecer final”, informa o coordenador dos moradores do Itaim. A área estaria dentro de um sítio arqueológico com valor social e histórico que ainda precisa ser analisado, argumenta Pádua.

O terreno está entre os 20 que o prefeito pretende vender. Segundo Kassab, o valor arrecadado com a venda dos terrenos em áreas nobres da cidade, será revertido para a construção de creches.

Vereadores

A assessoria de imprensa da Câmara de Vereadores de São Paulo informou que a Casa Legislativa não realizou audiências sobre a venda do Quarteirão da Cultura por se tratar de alienação de bem público. O assunto estaria dispensado desse tipo de consulta pública.