Gente diferenciada em SP: protesto bem humorado fecha rua em Higienópolis

Por transporte público e contra o preconceito de moradores, churrasco reúne centenas de pessoas

Churrasco em frente ao Shopping Higienópolis reuniu centenas de pessoas (Foto: Vander Fornazieri)

São Paulo – Manifestantes apostaram no bom humor para criticar o preconceito e defender transporte público de qualidade na capital paulista. O “churrascão da gente diferenciada” parou ruas e avenidas em Higienópolis, em frente ao shopping center homônimo na tarde deste sábado (14). Os organizadores estimaram em mil pessoas participantes no protesto carregado de ironias, cujo alvo é a pressão de moradores do bairro, na região central de São Paulo, contra a instalação de uma estação de metrô da futura Linha 6-Laranja.

No início desta semana, a mídia repercutiu a informação de que a Companhia do Metropolitano (Metrô) teria desistido de instalar o equipamento público no bairro nobre. O motivo seria a articulação dos moradores. A reação nas redes sociais da internet foi grande, o que motivou questionamentos por parte do Ministério Público Estadual e uma declaração do governo estadual paulista de que a decisão definitiva ainda não havia sido tomada.

A modalidade e o nome do protesto, iniciado às 15h deste sábado, surgiu no Facebook. A opção pelo churrasco com samba e “mulatas bezuntadas de óleo” foi uma forma de ironizar as declarações preconceituosas de opositores da estação.

Em 2010, reportagem do jornal Folha de S.Paulo revelou a movimentação de associações de moradores para barrar a instalação da estação – embora a linha ainda esteja em fase de projeto, sem obras iniciadas nem previsão de entrega. Para dizer que a chegada do Metrô descaracterizaria o bairro, uma moradora disse que o Metrô traria “uma gente diferenciada” à região, associando o transporte público a usuários de drogas e criminosos.

Após a convocação, o churrasco chegou a ser cancelado por Danilo Saraiva, criador do evento na rede social. Alertado pela PM e pela Companhia de Engenharia de Tráfego (CET), ele alegou temer pela segurança e pelo trânsito na região, propondo um abaixo-assinado. Outros ativistas decidiram levar o ato adiante.

“A gente quis deixar bem claro, desde o começo, que o ato é do povo”, opina David Lobão, um dos articuladores do protesto. “A ideia surgiu de um grupo de amigos para criticar o fato de políticos criarem contas no Twitter e no Facebook na época da eleição mas, depois, na hora de ouvir o povo, eles não escutam”, critica.

Parte dos manifestantes são pessoas mobilizadas pela internet – 50 mil manifestaram apoio à causa, embora o número inclua usuários de outras cidades. Há ainda ativistas ligados à defesa do uso da bicicleta como alternativa de transporte e integrantes do Movimento do Passe Livre (MPL). “O Danilo criou o evento no Facebook e nós fomos convidando amigos, mas nunca imaginamos que iria virar isto”, comemora Lobão.

Os membros do MPL simbolicamente usaram uma catraca revestida de papel como churrasqueira para assar queijo coalho e protestar contra o descaso com o transportes público em São Paulo. No início do ano, em função do aumento da tarifa de ônibus municipal, o movimento realizou uma série de protestos por revisão da tarifa.

Maurício Ribeiro Lopes, o promotor responsável por pedir investigação sobre os motivos da mudança de planos por parte do Metrô, comparaceu ao protesto. Após a polêmica, o Ministério Público Estadual decidiu apurar as razões técnicas para a decisão e se houve pressão de moradores.

Solidariedade

O protesto ganhou solidariedade até de consumidores do shopping center. Lilian Koouyomdjian, ex-moradora de Higienópolis, não hesitou em criticar os habitantes do bairro. “Os moradores de Higienópolis são muito conservadores e nunca aceitaram muito bem as mudanças do bairro”, opina

Ela conta ter vivido desde criança na região, mas optou por deixar a capital paulista. “Saí de São Paulo porque não dá mais para andar aqui. Precisa ter sim o metrô no bairro, e mais: tem de cavar a cidade inteira, não dá mais para andar de carro.”

Para Rosangela Escorza, moradora do bairro vizinho Santa Cecília, a atitude dos críticos à estação é preconceituosa e demostra o egoísmo por sequer pensarem nos trabalhadores que circulam pelo bairro como porteiros, seguranças, faxineiras e empregadas domésticas. “Não tem coisa mais tacanha, mais antimoderna, mais precocentuosa do que essa associação dos moradores contra um transporte público. Eles querem que os empregados se volatilizem e, depois, no dia seguinte, se materializem de volta ao trabalhar. É bem escravagista”, ataca Rosangela.

Após a concentração na avenida Higienópolis, os ativistas caminharam em direção à avenida Angélica, até parar o trânsito da via. Ao chegar ao local, o policiamento foi intensificado. Naquele momento, também cresceu a adesão ao protesto, apesar de a Polícia Militar calcular em apenas 600 os manifestantes.

Os ativistas compraram churrasqueiras e distribuiram comida para todos que quisessem, inclusive pessoas em situação de rua que passavam pela avenida Angélica. À noite alguns alunos de artes da USP penduraram fios e fizeram varais na esquina da avenida com a Rua Sergipe.