Para Celso Athayde, corrupção policial impede solução de problemas de segurança no Rio

Celso Athayde acompanha de dentro do Complexo do Alemão a ação da polícia (Foto Kathya Barros) Rio de Janeiro – “Vou perder o sinal agora, estou indo para o alto […]

Celso Athayde acompanha de dentro do Complexo do Alemão a ação da polícia (Foto Kathya Barros)

Rio de Janeiro – “Vou perder o sinal agora, estou indo para o alto do alemão. Tem surpresa pra hj a noite. Vamos ver.” Esta frase foi disparada nesta terça-feira, 30, no Twitter do produtor musical mais influente no Hip Hop do Brasil, Celso Athayde. Ele acompanha a operação das forças de segurança no Complexo do Alemão, no Rio de Janeiro, desde o último final de semana.

As informações de dentro do morro são passadas por meio de sua página na rede social. Antes de subir, ele conversou com o Sul21 e relatou a impressão da comunidade sobre o trabalho do Estado e da polícia. Celso também falou sobre a problemática social que está por trás do tráfico de drogas e as soluções que considera possíveis para enfrentar o tema. Athayde também revelou ações da polícia que não estão sendo divulgadas em meio à euforia do êxito da operação, como o desrespeito e o furto de pertences dos moradores do Alemão pela polícia que procura por drogas e criminosos possivelmente escondidos.

Celso Athayde não havia falado com nenhum outro veículo de comunicação desde o início da atuação da polícia no Rio de Janeiro. Ao final da entrevista, fez um apelo para não ser mal interpretado, como na época em que lançou o livro Falcão – Meninos do Tráfico, com o rapper MV Bill e foi processado por apologia ao crime.

Ativista de vários projetos sociais, entre eles o Cine Cufa e a Liga Internacional de Basquete de Rua Libra — evento internacional que acontece em 12 países e nos 27 estados da federação –, Celso Athayde também é fundador da Central Única das Favelas (Cufa), instituição de jovens de periferias instaladas em mais de 300 cidades e mais de 15 países.

Sul21 – Além de ter morado em favelas e ser um ativista social influente hoje no Rio de Janeiro, você conhece o Complexo do Alemão e acompanhou de dentro do morro a operação deste final de semana. Qual foi a reação da comunidade a esta ação das forças de segurança?

A comunidade vê esta operação de maneira positiva. Ninguém dentro da favela apóia a existência de facções, do tráfico ou da milícia. As famílias são submetidas pelas regras internas na esperança de um corte do elo por parte do poder público. A “sociedade paralela”, como é chamada a periferia, onde as regras são diferentes, tem linguagem própria. Se algumas facções de determinadas favelas não concordam com alguma coisa, do tipo uma religião, por exemplo, elas não podem ser desenvolvidas ou praticadas.

Mas, apesar de ser uma ação positiva de resposta do estado, que era necessária que tivesse sido e foi bem dada, o Complexo do Alemão não precisaria de mais do que 50 policiais para ser controlado se os caras que comandam fossem presos e permanecessem lá na prisão. O problema é que a corrupção policial permite que eles voltem.

Hoje os 1,2 mil serão mantidos no Alemão, mas, se outras facções em outras favelas resolvem reagir, quantos homens serão necessários?

O que faz o bandido voltar é a certeza da impunidade. Existem favelas que são dominadas pela milícia e nestas, só têm 15 homens do crime no máximo. Se os bandidos sabem que ali não tem corrupção eles não voltam. Se a polícia abdica da corrupção ela inviabiliza o tráfico. Esse é o dilema que os moradores têm que conviver.

Qual a sua opinião sobre a eficácia das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) e da filosofia de pacificação de territórios vulneráveis à violência?

As UPPs que tem hoje no Rio de Janeiro representam 10% da cobertura das favelas. Isso é muito pouco.

O que foi mostrado pela TV sobre drogas e armamentos retirados do Complexo do Alemão é comum em todas as favelas do RJ. O que varia é o tamanho da favela e por consequência diminui a proporção do crime. Mas a opressão para com os moradores é a mesma. Desses 600 criminosos que a polícia estima que fugiram da Vila Cruzeiro, 460 têm na média de 13 anos de idade. Como provar alguma coisa contra um deles? E adianta prender para depois ficarmos refém de manter preso em cadeia? Tem que ter oportunidade para todos. A estimativa de vida dos criminosos é de 25 anos de idade. As iniciativas dos governantes direcionadas a isso são positivas, mas são insuficientes. Elas fazem pouco mais do que as ONGs já fazem dentro das comunidades e muitas vezes trazem coisas que não são da realidade dos jovens. A linguagem aqui dentro é uma, as regras são outras. É uma predominância de falta de informação, de ignorância e fome. O sistema que está aí exige que o favelado siga a lei do asfalto, enquanto os marginais vão para celas especiais. Sobra pra favela se moldar ao sistema de dentro e de fora dos morros.

Você acredita que a mídia contribuiu com o controle da atuação violenta da polícia ou esta prática está começando a se modificar?

Hoje os moradores estão sendo constrangidos pelos policiais, sem nenhuma fiscalização, auditoria ou acompanhamento. Os policiais estão entrando nas casas dos moradores e roubando dinheiro, equipamentos e tudo que interessar. Ou tu acha que um policial entra, vasculha toda a tua casa e se encontrar algo de valor vira as costas e vai embora? E isso não é uma prática de hoje. É uma prática cotidiana nas favelas do RJ, mas, a diferença é que agora, depois da invasão do Alemão, eles têm mais acesso pois estão acobertados pela mídia. Ontem entraram na casa do coordenador da Cufa. Quebraram privada, tudo mais e o prejuízo fica pra ti. Isso é uma prática policial que não acontece em nenhum outro lugar do mundo.

Polícia e estado devolveram o território para a comunidade. Isso é digno. Eles tinham mesmo que reagir e deram resposta. Mas, enquanto houver corrupção policial não haverá solução para os problemas do Rio de Janeiro e para as periferias de todo o país. Se houver sensação de impunidade o bandido se fortalece porque sabe que vai voltar e vão cobrar por isso.

Como se organiza o tráfico de drogas no Complexo do Alemão e no Rio de Janeiro?

O tráfico era sustentado pelos playboys da Zona Sul, que sempre representaram pequena parcela do consumo do tráfico. Mas, como os playboys subiam o morro, o tráfico era menos intenso dentro das favelas. As famílias da favela não se envolviam antes. Sempre os favelados tiveram fama de caretas. Para ter uma ideia, os casais favelados não se separam tanto quanto os casais de classe média, porque existem muitos tabus dentro da favela. Mas depois veio o “estica”, que levava a droga das bocas de fumo até a boca do asfalto e os playboys não entravam mais na favela. Isso aumentou o consumo interno e o tráfico cresceu porque o abastecimento de droga passou a ser dentro e fora das favelas. Com este cenário, eu que sempre fui contra a liberação das drogas, comecei a repensar. Só que a legalização das drogas já é outro debate. Que drogas nós estamos falando? É maconha, crack, cocaína, LSD? Mas o problema todo é essa anomalia social que traz consequências para o país inteiro e é uma herança do preconceito racial no Brasil. Estamos pagando por não termos distribuído de forma igualitária as riquezas do país, com todos que ajudaram a conquistá-la. Não é a toa que no Complexo do Alemão apenas 20% são brancos.

 Qual a sua avaliação da nova política de segurança pública no Brasil? Que já instalou serviços e programas e pacificou alguns morros do RJ e de outros estados brasileiros?

A política de segurança pública do Brasil está tentando dar respostas para uma sociedade que não foi preparada ou educada para responder. Eu acredito que a solução para o tráfico de drogas e a criminalidade está na tolerância zero. Temos que atuar em todas as áreas, no controle do tráfico de armas, de drogas, no controle à pirataria, dos flanelinhas, no jogo do bicho. Mas sem paliativo ou joguinho para a imprensa ver. Tem que aplicar a lei para todo mundo. Sem corrupção. Eu sou contra o crime, sou contra o tráfico, defendo que as favelas têm que ser livres. Mas, se tem político e bicheiro comandando o Carnaval do Rio de Janeiro, como o Estado quer cobrar do favelado qualquer conduta?

Não basta boa vontade de algumas pessoas. A ação tem que ser conjunta e atingir todo o sistema. Combater a corrupção é o único caminho. Outra solução seria não existir mais favela. Não precisaria existir favela se a distribuição de terra fosse igualitária. O rico e o pobre querem a mesma coisa: ser feliz. O problema é que uns aceitam a condição em que vivem e outros querem ter poder.

Fonte: Sul21