Limites para ações de policiais ainda são desafios no Rio, diz assessor

Alternativas como as UPPs são tentativa de contornar elevado índice de participação de policiais em mortes violentas no estado

Policiaisl militares durante ação em favela do Rio de Janeiro (Foto: Ricardo Moraes/Reuters)

São Paulo – Em comunidades pobres em grandes cidades como o Rio de Janeiro, a ameaça à segurança não acontece só por causa da existência de facções criminosas. Ações policiais representam um perigo iminente à população. Apesar de o Brasil não ter um conflito armado declarado, o direito à vida, à liberdade e à segurança dos brasileiros é ameaçado. Ações como as Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) na capital fluminense são apontadas como alternativas para a questão.

Em 2009, a Anistia Internacional, organização não governamental que investiga violações de direitos humanos em todo o mundo, em seu relatório anual, apontava a existência de um “policiamento linha-dura”, nas favelas do Rio de Janeiro. O relatório cita uma série de operações policiais que resultaram em grande número de mortes, como as ações nas favelas da Coreia, na zona oeste, e Vila Cruzeiro, zona norte, ambas em abril de 2008, que deixaram 20 mortos. O documento afirma ainda que, apesar de apresentar redução de 2007 para 2008, o número de mortes causadas por policiais representa 15% do total de óbitos violentos no estado.

André Vianna, da CICV, destaca caráter preventivo do policialmento comunitário (Foto: Lina Ibañez)

Segundo o coronel da reserva da Polícia Militar de São Paulo e assessor do Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV) André Vianna, há um Código de Conduta para Funcionários Encarregados de Aplicar a Lei (Feal). Criada desde 1979, o objetivo das normas é conscientizar e responsabilizar policiais militares sobre o uso da força em diversas situações. “No código, há padrões para as práticas de aplicação da lei de segurança pública para que não ocorra o abuso da força policial contra os próprios cidadãos. Não são admitidos erros por parte de policiais, porque o que está em risco são vidas”, alerta Vianna.

Apesar de a violência nas favelas do Rio de Janeiro ter efeitos sociais devastadores para a população, juridicamente o cenário não é considerado como de guerra. “Muitas vezes são utilizados armamentos de guerra, porém não se trata disso,não há guerra no Rio de Janeiro. São impostas medidas mais enérgicas por conta das ações criminosas”, afirma o coronel.

Segundo Gabriel Valladares, assessor jurídico do CICV, para ser considerado o estado de guerra é preciso ter uma notificação pelas partes envolvidas que haverá uma guerra, além de o conflito ser internacional. “Este título de ‘guerra’ é utilizado para chocar a população e é usado de forma incorreta pela mídia, que quer chamar a atenção para o problema. Mas os direitos aplicados em situações de guerra e em conflitos armados são diferentes”, explica Valladares.

O tema da ação policial e sua relação com o crime organizado voltou a ser debatido neste ano em função do lançamento do filme Tropa de Elite 2, de José Padilha. Além das ações consideradas pelos críticos como de linha-dura ou até fascistas por parte do Batalhão de Operações Especiais (Bope), o abuso da força e a corrupção por parte da polícia foi colocada sob os holofotes. O longa-metragem ampliou a discussão e trouxe à tona relações de interesses entre a polícia e o Estado, como também a defesa dos direitos humanos.

Alternativa via UPPs

Existe um tipo de vigilância por forças públicas diferenciado chamado “policiamento comunitário” ou “de proximidade”. O principal exemplo de aplicação dessa concepção em políticas de segurança são as UPPs no Rio de Janeiro. Implantadas em dezembro de 2008 pelo governador Sérgio Cabral (PMDB) em áreas de maior concentração de violência, as unidades transformaram-se em uma tendência global. O trabalho desses policiais tem apresentado resultados mais satisfatórios, segundo órgãos oficiais e analistas.

O número de homicídios no estado do Rio de Janeiro no primeiro trimestre deste ano apresentou o menor índice desde que as pesquisas foram iniciadas, em 1991. Segundo dados divulgados pelo Instituto de Segurança Pública (ISP), foram 1.414 vítimas de janeiro a março, 16,6% a menos que no mesmo período de 2009.

Essa redução da violência nas comunidades do Rio, segundo especialistas é resultados da ampliação das UPPs com a tarefa de servir à comunidade e proteger todas as pessoas, sem discriminação. “Os policiais comunitários vão além de proteger. Atuam ativamente de forma que a intervenção policial seja para promoção e prevenção dos direitos humanos em áreas com altos índices de criminalidade”, comenta Vianna.

O policiamento comunitário serve de mediador junto à comunidade. O trabalho consiste em conhecer as pessoas que vivem na região para acompanhar de perto os problemas de segurança e repassá-los às autoridades. São medidas preventivas praticadas onde outros setores do poder público estão ausentes e requerem aceitabilidade da comunidade.

O CICV tem contribuído para difundir as normas de conduta dos policiais por meio da capacitação de profissionais. Todo policial carrega uma cartilha no bolso esquerdo do uniforme, procedimento adotado a partir de 2002. De acordo com Vianna, o policial deve recorrer a outros meios antes da utilização da arma de fogo. “São utilizados controles verbal, contato, físico, táticas de defesa sub letais e por último a força potencialmente letal”.

*Anelize Moreira é aluna do curso Repórteres do Futuro 9º Curso de Informação sobre Jornalismo em Situações de Conflito Armado e Outras Situações de Violência, promovido pela OBORÉ (www.obore.com.br) em parceria com a ABRAJI (www.abraji.org.br) e o CICV (www.icrc.org/por) (Comitê Internacional da Cruz Vermelha).