Linha-dura perde espaço na política de segurança do RJ

Priorização de ações sociais por parte da esfera federal é apontada como incentivo para mudança da linha de segurança fluminense na atual gestão

Policiais na inauguração da UPP na comunidade do Andaraí. Especialistas sugerem mudanças na segurança pública fluminense (Foto: Proderj)

São Paulo – A política de segurança pública do governo Sérgio Cabral foi do mau exemplo ao sucesso em um espaço de quatro anos. A onda de mortes nos dias prévios à posse do governador do Rio de Janeiro, entre dezembro e janeiro de 2007, influenciou a adoção imediata de uma política linha-dura, contrariando os sinais dados durante a campanha. “Nosso governo não vai se intimidar. Os facínoras e os covardes terão a resposta de um governo sério, que defende a ordem”, ameaçava logo no dia em que assumiu o mandato.

O resultado não demorou a se apresentar. “Depois de certo tempo, essa política começou a trazer custo para o governo porque a polícia atira contra inocentes, contra reféns”, lembra Ignácio Cano, pesquisador do Laboratório de Análise da Violência da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj).

Uma das máximas das políticas de segurança pública é a de que os policiais reagem de imediato às manifestações dadas pelo Executivo. Se há apoio do governo a uma política repressiva, a Polícia Militar se sente no direito de utilizar mais força em suas ações. Em maio de 2008, em meio às mortes provocadas por operações na Vila Cruzeiro, o coronel Marcus Jardim, do 1º Comando de Policiamento da Área, chegou a afirmar que “a PM é o melhor inseticida social”.

Pouco antes, seguindo a teoria de que a violência policial responde a uma cadeia de consentimentos, o secretário de Segurança Pública, José Mariano Beltrame, havia pontuado que “tiro em Copacabana é uma coisa e, no Alemão, é outra” – foi a resposta dada à morte de 19 pessoas no Complexo do Alemão. No mesmo ano, Cabral havia declarado que a Rocinha era “uma fábrica de produzir marginal”.

O fortalecimento das ações repressivas acendeu o sinal de alerta entre estudiosos, organizações não-governamentais e organismos internacionais. A ONG Justiça Global lembra que, apenas em 2007, foram registrados 1.330 casos de autos de resistência, ou seja, de civis mortos pela polícia em supostos conflitos. Movimentos de direitos humanos vêem nessa classificação uma forma de ocultar execuções sumárias por parte da força policial. “Essa lógica militarizada de segurança demonstra-se ineficiente, viola os direitos humanos e não promove a segurança da população”, pontuava a entidade em nota de abril de 2008.

Virada

Alguns fatores inverteram o sinal. O desgaste gerado pela morte de inocentes, incluindo uma série de mortes no Complexo do Alemão, antes dos Jogos Panamericanos. Aliados à escolha do Rio de Janeiro como sede da Olimpíada de 2016 e da Copa do Mundo de 2014, esses fatores expuseram a impossibilidade de manter o modelo então vigente.

Um importante alerta foi enviado pelo governo federal, desde o início do mandato muito afinado com Cabral. A criação e o fortalecimento gradual do Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania (Pronasci) mostraram que a ordem era combater as causas sociais da criminalidade, com uma repressão responsável e de danos reduzidos.

Pressionado, o governo fluminense passou a apostar nas Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs). Atualmente, são nove UPPs, programa que tem como intenção promover a ocupação policial de favelas, expulsando o crime organizado e tentando a aproximação com a comunidade. De acordo com a Secretaria de Segurança Pública, em Santa Marta a UPP conseguiu reduzir drasticamente o roubo de veículos, por exemplo. Os resultados são mais animadores em Copacabana, onde roubos e homicídios foram praticamente zerados.

“A mudança é muito importante porque sinaliza que uma outra política é possível, muito mais beneficiosa em termos de relacionamento de segurança, mas não sabemos até que ponto essa política vai continuar e vai substituir o atual modelo”, aponta Ignácio Cano.

O especialista enumera, porém, algumas fragilidades da aposta nas UPPs. Em primeiro lugar, é difícil saber se o governo estadual terá condições de estendê-lo a todas as comunidades fragilizadas pela violência. Depois, a aposta em policiais recém-formados foi correta para reduzir a possibilidade de corrupção e abuso de autoridade, mas esses profissionais não serão “recém-formados” para sempre. Isso significa que, não havendo reforma na estrutura policial, muitos deles cairão em velhos vícios.

“É preferível que haja uma reforma integral da polícia, aumentando salários, melhorando, fiscalizando, aprimorando os requisitos de entrada. Mas, enfim, pelo menos é a primeira vez que temos um modelo alternativo funcionando num nível de divulgação e de investimento razoável no Rio de Janeiro em muitos anos.”