Invasão a hotel no Rio coloca UPPs na berlinda em plena campanha eleitoral

Turistas deixam o hotel Intercontinental, no Rio de Janeiro, após um grupo manter funcionários e hóspedes reféns (Foto: Bruno Domingos/Reuters) Rio de Janeiro – A invasão de dezenas de traficantes […]

Turistas deixam o hotel Intercontinental, no Rio de Janeiro, após um grupo manter funcionários e hóspedes reféns (Foto: Bruno Domingos/Reuters)

Rio de Janeiro – A invasão de dezenas de traficantes armados a um dos hotéis mais sofisticados da zona sul do Rio de Janeiro na manhã de sábado (21), ao que indicam até aqui as investigações, não foi intencional e decorreu de uma ação desastrada da Polícia Militar. Passado o susto, no entanto, o episódio do Hotel Intercontinental serve para trazer novamente à tona a discussão acerca da qualidade da segurança pública no estado.

Sobre o processo eleitoral, o efeito do encontro em plena luz do dia entre policiais militares e o “bonde” do traficante “Nem da Rocinha” é imediato, uma vez que um dos pilares da propaganda – e do alto índice de aceitação nas pesquisas de opinião – do governador Sérgio Cabral (PMDB) é o sucesso da implementação das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) em diversas comunidades anteriormente controladas pelo tráfico de drogas ou por milícias de policiais.

Nesta segunda-feira (23), em sua primeira propaganda no rádio e na TV veiculada após a invasão do hotel, o principal candidato da oposição, Fernando Gabeira (PV), criticou a política de segurança pública de Cabral. “O governador diz que o Rio de Janeiro está pacificado e que os principais programas de segurança estão resolvidos. Ele se refere às UPPs, que estão funcionando bem em algumas comunidades. Mas, em apenas 1% das comunidades do Rio”, destacou.

Na quinta-feira (19), o candidato verde, acompanhado do aliado e concorrente ao Senado, Cesar Maia (DEM), fazia corpo-a-corpo em uma favela no município de Macaé, no Norte Fluminense, quando foi surpreendido pela presença de traficantes armados. Obrigado a aceitar a “escolta”, Gabeira comentou o episódio na propaganda da TV: “Por onde andamos, temos encontrado gente com fuzil, metralhadora e pistola, com uma atitude hostil. Isso mostra que o Rio de Janeiro não está pacificado e que a propaganda do governo está fora da realidade”.

A propaganda gratuita de Cabral, por sua vez, tratou de veicular mensagens de aprovação gravadas por moradores das favelas e bairros atendidos por UPPs. Em seguida, surge a voz ou a imagem do governador: “Agora, a segurança pública no Rio já vê a luz no fim do túnel. As UPPs mudaram a vida de milhares de pessoas”. Nos programas da semana passada, Cabral já havia feito das UPPs o seu carro-chefe. “O Rio estava assustado, mas a polícia e o governo recuperaram sua autoridade”, disse o governador.

Trezentos mil

Cabral se apoia em números significativos, pois, segundo cálculos da Secretaria Estadual de Segurança Pública (SSP), o número de pessoas beneficiadas direta ou indiretamente pelas UPPs já passa dos 300 mil em toda a capital. A sensação de sucesso conquistada pela iniciativa governamental entre a população das áreas atendidas é grande, sobretudo nos bairros da zona sul e da Grande Tijuca.

Até o momento, o governo já instalou UPPs nas seguintes favelas: Dona Marta (Botafogo), Pavão-Pavãozinho, Ladeira dos Tabajaras e Cantagalo (Copacabana), Babilônia e Chapéu Mangueira (Leme), Borel, Formiga, Andaraí, Salgueiro e Turano (Grande Tijuca), Batam (Realengo) e Cidade de Deus (Jacarepaguá). Segundo o secretário José Mariano Beltrame, todas as principais favelas distribuidoras de drogas da capital terão suas UPPs nos próximos meses.

Limpeza parcial

Se o sucesso das UPPs nas áreas onde estão sendo aplicadas é admitido até pela oposição, é também verdade que a política de ocupação territorial do governo do Rio está “limpando” alguns pontos da cidade em detrimento de outros. Isso, segundo admite a própria SSP, significa que membros da principal facção criminosa, o Comando Vermelho, estejam se concentrando em regiões ainda dominadas, como, por exemplo, o Complexo do Alemão, na zona norte.

A invasão do Hotel Intercontinental acabou chamando a atenção para outra área ainda dominada pelo tráfico de drogas no Rio. E, desta vez, em pleno São Conrado, bairro nobre da zona sul. Chefe da Rocinha, Antônio Bonfim Lopes, o Nem, comanda um exército de 400 homens, responsáveis pela “segurança” de um negócio que, segundo a Polícia Civil, movimenta na favela R$ 2 milhões em venda de cocaína a cada final de semana.

Antes de ser abordado pelos policiais, Nem e seus comparsas estavam em uma festa de aniversário do traficante conhecido como Noventa e Nove, chefe do vizinho morro do Vidigal, que também não tem UPP. No momento da equivocada abordagem policial, feita no início da manhã de sábado, Nem estava acompanhado, segundo relatos, de cerca de 60 traficantes fortemente armados, divididos em vans e motos.

Após o tiroteio e a invasão do hotel que resultou na tomada de 35 reféns pelos bandidos, a polícia conseguiu prender dez integrantes do bando de Nem, além de fuzis, metralhadoras, granadas, pistolas e coletes à prova de bala. O chefe do bando não foi preso, mas a polícia não descarta que ele esteja ferido.

Fogo no asfalto

Ao participar nesta segunda-feira (23) de um evento promovido pela Associação Brasileira da Indústria Hoteleira (realizado, por ironia, no mesmo Intercontinental), o vice-governador Luiz Fernando Pezão, também candidato à reeleição, afirmou que a Rocinha e o Vidigal terão as suas UPPs até a Copa de 2014: “Precisamos de dois mil homens bem treinados para ocupar a Rocinha”, disse.

Em entrevista à Rádio CBN logo após a invasão, o cientista político e ex-secretário nacional de Segurança Pública, Luiz Eduardo Soares, que é morador de São Conrado, relatou o susto: “Antes, o palco de conflitos era a Rocinha. Agora, tudo aconteceu no asfalto, ao lado das casas e condomínios”, disse.

Responsável pela redação do item segurança pública no programa de governo de Marina Silva (PV), Soares criticou a ação da polícia: “Do ponto de vista político, cultural e social, representa uma tragédia para o Rio, pois a cidade vai sediar eventos importantes e está no centro das atenções internacionais”.