Moradores em situação de rua sofrem com falta de políticas públicas em todo país

Indiferença, desemprego e violência comprometem recuperação de cidadãos que perambulam pelas ruas das principais capitais brasileiras

Na Baixada do Glicério, centro de São Paulo, cidadã aguarda a formulação de políticas sociais que a ajudem a sair das ruas (Foto: Alderon Costa)

No início de junho, a Secretaria Municipal de Assistência Social de São Paulo divulgou um estudo que mostrou que, entre 2000 e 2009, o número de moradores de rua da capital paulista aumentou de 8.706 para 13.666. Desse total, 6.587 pessoas (48,2%) vivem ao relento. Dez anos atrás, quando foi feito o último estudo da população de rua, havia 5.013 (54,3%) pessoas nessa situação.

A pesquisa, levada a campo pela Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe) e pelo Centro de Estudos Rurais Urbanos (Ceru, da USP), mostrou ainda que os homens são maioria entre a população de rua (86%), que 9,5% informaram não saberem ler ou escrever, que 62,8% dos entrevistados declarou não ter completado o ensino fundamental. A grande maioria dos moradores de rua também declarou consumir álcool e drogas: 74,4%.

A perda do emprego foi o principal motivo apontado para justificar a permanência nas ruas. A rede pública de atendimento a tal população é considerada ineficiente e falha, não só cidade de São Paulo, como em praticamente todos os municípios do país, segundo especialistas.

“Não conheço nenhuma cidade que eu possa dizer que tenha um tratamento adequado”, afirma o coordenador-geral do Comitê Interministerial para Políticas para População em Situação de Rua, Ivair Augusto dos Santos.

Segundo Santos, não há no Brasil uma cidade que consiga integrar programas de saúde, de trabalho e de moradia voltados à população de rua. Para ele, a existência de uma coordenação entre os programas já solucionaria parte do problema
Atila Pinheiro, coordenador do Movimento Nacional da População em Situação de Rua, ratifica a avaliação de Santos. Ele afirma que diversos casos de violência e maus-tratos a moradores de rua já foram relatados a ele por pessoas que viviam nas ruas do Rio de Janeiro e de Salvador.
“No Rio, só ouvimos falar de milícias, de violência da força policial e do chamado choque de ordem”, disse, citando a política da prefeitura carioca que visa a organizar a cidade impedindo, entre outras coisas, que moradores de rua permaneçam em áreas públicas.

“Em Salvador, a população de rua é trancada em albergues administrados pela Polícia Militar (PM). Eles [os moradores de rua] entram lá de noite e só saem de manhã”, afirmou Alderon Pereira da Costa, que também é membro comitê interministerial para população de rua.

Costa defende a criação de leis municipais com diretrizes para o atendimento a esta população para fazer com que os programas sejam levados mais a sério. “Só desta forma as políticas não iriam mudar ao bel-prazer dos administradores públicos”. Mas ressaltou que só leis não resolvem o problema. São Paulo, lembra ele, aprovou sua legislação específica sobre o tratamento a moradores de rua, em 2002, e ainda tem problemas sérios a serem resolvidos.

Capitais

A prefeitura do Rio de Janeiro informa que a cidade tem hoje 4,8 mil pessoas em situação de rua – metade delas abrigadas – e que os programas de atendimento envolvem desde o encaminhamento a albergues até o auxílio para que imigrantes voltem à terra natal.

A prefeitura de Salvador revela que mais de 2 mil moradores de rua vivem na cidade, onde contam com vários programas de atendimento, inclusive um que concede R$ 100 por mês a cada cidadão cadastrado. Questionada pela reportagem, a declaração de Alderon Costa ,sobre o isolamento de moradores de rua em abrigos administrados pela PM, não foi esclarecida.

Desemprego e violência

A indiferença das pessoas para com o morador de rua, em alguns casos, como o de Robson César Mendonça, deixa-o triste e desesperançado. “É triste você estar na calçada, às vezes nem pedindo esmola, e ver que uma pessoa atravessa a rua só para não ter que olhar para você”, relata.

Mendonça morou três anos em albergues da prefeitura e mais três nas ruas de São Paulo. Conhece bem o que a indiferença da população acarreta no comportamento do sem-teto. “Isso faz com que você procure uma fuga da realidade. E isso, muitas vezes é o álcool ou a droga.

Hoje, ele é presidente do Movimento Estadual da População em Situação de Rua em São Paulo. Combativo, cobra com fervor mudanças em políticas públicas voltadas para esta população.

“A gente pede respostas e as pessoas não dão”, complementa Atila Pinheiro, sem-teto e coordenador-geral do movimento nacional dessa população. Pinheiro foi dependente químico e admite que a indiferença da sociedade empurra ainda mais as pessoas que vivem na rua ao vício. “Você entra em paranoia. Ninguém te vê e você sai andando pela rua, perde a sanidade mental.”

Sem sanidade, o problema do morador de rua se agrava. Além de um emprego, de uma moradia, ele passa a precisar também de um tratamento especializado para dependentes químicos a fim de deixar a rua. Este tratamento, segundo ele, é falho, tornando a recuperação quase impossível.

Marcelo de Castro faz parte hoje de uma população que todos os dias procura um albergue para fugir da insegurança de uma noite dormida sob as marquises ou de um vão de viaduto. Ele ainda recorda do período em que ‘ganhava bem’. Trabalhava em restaurante vegetariano no bairro da Pompeia, área nobre da cidade de São Paulo. Era auxiliar de cozinha e aspirava à vaga de cozinheiro pleno e tinha onde morar. “Aí, o movimento caiu e o patrão acabou diminuindo os custos. Entrei no ‘facão'”, recorda.

A demissão aconteceu há seis anos. Então com 28 anos, ensino médio concluído, sem nunca ter sido usuário de drogas, Marcelo foi parar nas ruas. “O dinheiro começou a diminuir. Um dia, o aluguel do meu quarto venceu e não tinha como pagar. Tive que sair.” Desde então, vive em um albergue municipal. Divide o “quarto” com outros 259 homens

Assim como Marcelo, muitos moradores de rua de São Paulo dizem que o trabalho é do que mais necessitam para sair dessa situação. Apesar de uma pesquisa realizada em 2007 apontar que 70% dessa população têm uma ocupação, mesmo que precária, o que eles mais afirmam querer é um emprego formal.

Para o coordenador-geral do Comitê Interministerial para Políticas para População em Situação de Rua, Ivair Augusto dos Santos, o trabalho é a melhor e mais duradoura solução para os moradores de rua de São Paulo e de todo o país. Segundo ele, é preciso “dar condições para que os moradores de rua, no mínimo, procurem um emprego.”

É o que espera, por exemplo, Luiz Carlos de Souza, 44 anos, que reclama não ter tempo para procurar trabalho. Desempregado há um ano e meio, passa mais da metade do dia na porta de um albergue no centro de São Paulo para conseguir uma vaga de pernoite. “Fico aqui o dia inteiro. Como posso procurar emprego”, disse.

Já para Joeliane Dias Coelho, 36, o problema é a falta de documentos. “Nem procuro mais trabalho. Enquanto não tiver meus documentos, não adianta”, afirmou. Ela foi roubada enquanto dormia na rua.

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