Moradores de bairros alagados acusam pressão da prefeitura de SP para demolição de casas

Alguns proprietários se dizem surpresos com o cadastro de suas residências para demolição. Caminhões com material de construção são barrados pela prefeitura porque novas obras na área são proibidas

Prefeitura planeja retirar moradores de áreas consolidadas como o Jardim Romano (Foto: Suzana Vier/Rede Brasil Atual)

Casas alagadas e não alagadas estão sendo cadastradas pela prefeitura para demolição, em bairros atingidos pelas enchentes no mês passado, como Jardim Romano e Jardim Pantanal. Segundo moradores ouvidos pela Rede Brasil Atual, a prefeitura pressiona a população para aceitar um compromisso de desocupação das residências, mesmo em áreas não atingidas por alagamentos e em bairros consolidados.

Raimundo Nonato da Silva estava viajando no final de dezembro quando soube que sua casa no Jardim Martinho foi cadastrada, por engano, para demolição. “Abriguei na minha casa uma família que perdeu tudo. Funcionários a serviço da prefeitura exigiram que a moça abrigada assinasse o compromisso de saída da casa”, conta. O problema é que a hóspede não poderia responder pela residência por não ser proprietária.

 

Segundo Marluce da Silva Costa, o cadastro das casas ocorre sem a devida checagem se há concordância dos proprietários. “Eles estão olhando de longe e fazendo o cadastro”, acusa. Ela foi cadastrada e corre o risco de perder a casa em que mora com os dois filhos pequenos, portadores de deficiência, porque outra pessoa cadastrou sua residência. “O pessoal do cadastro diz: ‘a pessoa vai sair por bem ou por mal’. Por mal, significa assinar sem querer sair”, aponta.

Procurada, a prefeitura não se manifestou a respeito das reclamações dos moradores na conduta do cadastramento. Cerca de 6 mil famílias de 12 áreas da várzea do Rio Tietê devem ser retirados, de acordo com a administração municipal. Até agora, 1.900 já se cadastraram.

Moradores que aceitam o cadastro da prefeitura para sair do local, recebem bolsa-aluguel de R$ 300 por seis meses e entram em lista de espera para ter acesso a conjuntos habitacionais. A rigor, isso pode ocorrer em uma cidade vizinha ou em outras regiões da capital paulista.

Os moradores que já têm casa própria reclamam que conseguir um apartamento pode demorar mais de um ano e ainda terão de pagar novamente por um bem que já tinham. “Eles empurram o morador para qualquer lugar sem saber se tem escola, não quer saber se tem linha de ônibus. Querem se livrar do problema”, sentencia Raimundo Nonato.

Eles ainda consideram o valor do bolsa aluguel muito baixo. “Os R$ 300,00 não dão para pagar aluguel por aqui (Jardim Pantanal). Depois, as imobiliárias não aceitam pessoas com filhos ou animais de estimação”, diz Maria do Carmo Lima. “Quem aceitou o cheque da prefeitura, já se arrependeu. Só que agora não tem onde morar”, dispara.

De acordo com Ronaldo Delfino de Souza, há mais de um ano a prefeitura pressiona os moradores para deixarem o local, onde será construído o parque Várzeas do Tietê. “Quando inaugurarem, esse parque vai ter gosto de sangue, das pessoas que morreram na inundação do bairro”, lamenta. Ele afirma terem sido oito as mortes provocadas pelos alagamentos desde 8 de dezembro, data do início do alagamento. A Defesa Civil calcula seis óbitos em toda a cidade.

Cartilha da prefeitura

Em 2009, a prefeitura teria distribuído uma cartilha nas escolas, amedrontando as crianças. “É crime. Construções irregulares estão sendo demolidas na região da Várzea”, diz o material, ao qual a Rede Brasil Atual teve acesso. “Meu filho chegou em casa chorando. Quando ele viu a cartilha, ficou imaginando que seria preso e nossa casa demolida. Isso é terrorismo”, reclama Maria do Rosário, moradora do Jardim Pantanal.

Sem obras

A prefeitura proibiu a entrada de caminhões de terra e materiais de construção nos bairros alagados. Os moradores acreditam que é uma forma de impedir melhorias nas casas e a permanência dos moradores. Segundo assessoria de imprensa da prefeitura, caminhões de materiais de construção não podem entrar nos bairros, porque é proibido construir em áreas de várzea. Os moradores reclamam que estão lá há anos, construíram suas casas e agora estão impedidos de mantê-las ou melhorá-las.

Em visita ao Jardim Romano, no dia 10 de janeiro, Kassab ouviu reclamações dos moradores e insistiu que a solução para o local é exclusivamente a remoção total das famílias. “É uma impermeabilização excessiva, assim como o Jardim Romano nós temos na mesma região mais 11 comunidades. Precisamos tornar impermeabilização menos intensa. Precisamos transferir as famílias, demolir os imóveis e acelerar a construção do projeto do parque”, disse o prefeito.

Rebaixamento de ruas

Moradores das ruas 2, 3 e 4, no Jardim Romano realizaram um protesto, na segunda-feira (18), contra obras que seriam feitas pela prefeitura no local. Eles alegam que o nível das vias onde vivem seria rebaixado pelas máquinas, tornando as casas mais suscetíveis às inundações.

Na rua Capachós, alagada desde 8 de dezembro, os moradores acusam a prefeitura de rebaixar a rua e calçadas, logo após a construção do Centro Educacional Unificado (CEU) no bairro, há dois anos. “Nós dissemos: ‘isso aí vai ficar baixo’, mas ele disse, ‘o engenheiro aqui sou eu'”, contou Nadir de Souza Cruz, moradora.

Dois tratores da Subprefeitura de São Miguel Paulista chegaram ao local por volta das 9h e foram impedidos de fazer a terraplanagem pelos moradores. Não houve confronto. “Perguntamos o que eles iriam fazer, se iriam rebaixar a rua, mas não souberam responder”, afirmou a comerciante Lindinalva Ferreira de Araújo, 42 anos, em entrevista ao Jornal Agora