Moradores de bairro alagado há 39 dias culpam governo de SP

Crianças e adultos convivem com lama, esgoto, água parada e doenças

Moradores da Rua Capachós improvisam passagens de madeira para outras ruas também alagadas (Foto: Suzana Vier/Rba)

São Paulo – O cheiro forte da água que há 39 dias toma conta da rua Capachós e arredores, no Jardim Romano, é de atordoar os sentidos. O odor, a que os moradores são submetidos dia e noite, parece uma combinação de peixe podre, com alguma substância ácida e salgada.

A água que impede os moradores do Jardim Romano e Jardim Pantanal – ambos no distrito Jardim Helena, zona leste da cidade – de circularem pelas ruas é esverdeada e turva. Misturada a esgoto e lixo. O asfalto que existia no fundo não pode ser visto. Uma espuma grossa e verde cobre a água em alguns locais. O resultado não poderia ser pior: insetos e bactérias proliferam no local.

Para os moradores, o caso não é obra da natureza, porque “não chove há vários dias e a água continua parada, empossada”, segundo uma moradora. “Chamamos a prefeitura várias vezes para ver a situação das ruas, mas nada foi feito. Agora temos isso (aponta para a rua alagada) na porta de nossas casas”, dispara uma moradora que preferiu não ser identificada.

O problema teria começado há dois anos, quando a prefeitura rebaixou ruas e calçadas durante a construção do Centro de Educação Unificado (CEU) no bairro. “Nós dissemos: ‘isso aí vai ficar baixo’, mas ele disse, ‘o engenheiro aqui sou eu'”, contou Nadir de Souza Cruz, também moradora.

O aposentado Jair Ribeiro, residente no bairro, só tem acesso a sua casa por uma calçada estreita. Onde o pavimento termina, submerso, há uma passagem de madeira improvisada junto aos muros.

Mureta para barrar inundação

Para proteger a casa, Ribeiro está construindo uma mureta na porta da garagem (foto). Outra já existe na porta da sala do aposentado. “É uma tentativa de segurar a água”. Desde 8 de dezembro, Ribeiro mora no segundo piso da casa. Embaixo, os móveis estão suspensos esperando que a casa e os objetos sequem.

Lama e esgoto

No Jardim Pantanal, também atingido por inundações desde dezembro, parte das ruas permanece alagada e muitas casas cheias de água, lama e esgoto. Os moradores caminham em meio a poças de lama. Crianças andavam e brincavam em água parada, enquanto a reportagem da Rede Brasil Atual entrevistava moradores, na quinta-feira (14).

D., filho de Vasti Maria Cândido, brinca com um sapo encontrado na lama e assusta todo mundo na casa de Marta Pereira, que abrigou a família do adolescente, composta de seis pessoas.

Marta mora em uma casa de dois quartos, sala, cozinha e banheiro, com quatro filhos e está grávida de mais um. O menor, de dois anos, havia acabado de chegar do hospital. Segundo Marta, o filho foi picado por algum inseto que causou alergia. Ela também abriga, na casa, uma outra família formada por mãe e filha. Ao todo, 13 pessoas estão morando na residência desde o início das enchentes. No quintal estão os cães de Vasti e o gato de Marta.

Na casa de Vasti, ainda cheia de água e esgoto, galinhas tentam sobreviver no fundo do quintal. “Quando chove, a água vem do córrego, emenda daqui (até) a rua”, descreve, “Olha ali o esgoto aberto, aí emenda tudo aqui e enche a casa”, aponta. A água subiu e não houve alternativa a não ser sair.

“Perdemos tudo, cama, colchão… A prefeitura deu (outro) colchão, mas parece tapete de tão fino”, descreve Vasti. “As fezes desfilam na rua e dentro de casa. Essa água fica com verme, minhoca, bicho”, desabafa. Oito cachorrinhos aguardam doação, porque a dona teme que os animais morram afogados.

Água esverdeada

Dona Lígia também mora atualmente “de favor”. Da casa, atingida pela inundação, só sobrou a geladeira. “Perdi estante, cama, mesa, tudo, tudo”, lamenta. O quarto da família ainda está submerso. “Tô esperando a bomba pra tirar essa água, mas tem fila”.

Diversas casas da região ainda estão com o quintal alagado. Moradores improvisam passagens de madeira para entrar e sair, como dona Rose, que está com a perna quebrada. Ela abriga Shirley de Barros e o filho de quatro anos. É a quarta família que os socorre desde o início das cheias. “É horrível ficar pulando de casa em casa”, diz.

Sem tratamento de esgoto

Para os moradores dos bairros atingidos, a inundação de ruas e casas, até escolas, não foi causada apenas pela água das chuvas. O principal problema seria a negligência da Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp).

“A Sabesp capta o esgoto, mas não trata”, acusa Ronaldo Delfino de Souza, da coordenação do Movimento de Urbanização e Legalização do Jardim Pantanal. “Joga direto nos córregos que estão cheios de sujeira porque o governo do estado não limpa há muito tempo”, completa, com o mapa da região detalhado na tela do computador.

O rio Tietê, diz Souza, também está assoreado. “Da (barragem da) Penha para baixo, as máquinas estão sempre trabalhando. Mas da Penha para cima, tem mais de 14 anos que não limpam”, suscita.

Segundo ele, um conjunto de “ações irresponsáveis” do governo estadual estaria causando o problema no bairro há mais de um mês. Córregos sujos e entupidos de lixo, alterações no leito do rio Tietê, indústrias à beira do rio e a falta de tratamento de esgoto seriam os principais causadores do problema em vários bairros. “O próprio governo alterou o curso do rio e impermeabilizou as margens. São muitos maus tratos ao rio e ao meio ambiente. Aí não tem jeito”, argumenta.

Barragem fechada

Crianças na água

Muitos moradores dos locais alagados apontam, como estopim da situação, o fechamento da barragem da Penha no dia 8 de dezembro.

De Salesópolis, onde nasce, até São Paulo, quatro barragens controlam o fluxo de água do rio Tietê. A barragem da Penha é responsável pela vazão no trecho da Marginal Tietê.

Segundo o promotor de justiça de direitos humanos da capital paulista, Eduardo Ferreira Valério, em entrevista à Rede Brasil Atual, a barragem da Penha foi realmente fechada nesse dia.

Para os moradores, o fechamento das comportas da Penha aumentou o fluxo de água antes da barragem e causou a inundação de diversos bairros de São Paulo, além de atingir cidades de Grande São Paulo, como Guarulhos e Itaquaquecetuba.

“Naquela chuva forte, fecharam seis comportas da barragem da Penha pra não alagar a marginal. Aí, no fim, alagou a marginal e nós quase morremos afogados aqui também”, acredita Ribeiro.

De acordo com Souza, até mesmo a estação de tratamento de água da Sabesp, no Jardim Helena, foi atingida pela enchente do início de dezembro.

Os moradores suspeitam ainda que a barragem da Penha ficou fechada para obrigar os moradores a deixarem o bairro para a construção do Parque Várzeas do Tietê. “Eles estão forçando as pessoas a saírem das casas para fazer o parque”, diz.

Ribeiro e diversos moradores concordam com Souza: “Eles querem tirar as pessoas da área de risco lá embaixo, aí a gente fica sofrendo também. Fizeram isso pra obrigar as pessoas mudarem”.

Procurada, a prefeitura não se manifestou a respeito das reclamações dos moradores.

CEU sofre invasão

Ainda na quinta, o Centro Educacional Unificado (CEU) localizado na rua Capachós, foi invadido e depredado por um grupo ainda não identificado.

De acordo com a Secretaria de Segurança Pública (SSP), o bando arrombou as portas das salas dos professores, de informática, do refeitório, da biblioteca e da salas de aulas. Armários foram quebrados e as paredes pichadas. A polícia investiga o caso para identificar os autores do crime.

Leia também

Últimas notícias