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Sob comando de guerreiras indígenas, a luta dos povos originários se renova. E continua

Sonia Guajajara e Joenia Wapichana representam resistência, reconstrução e fortalecimento que marcam Dia da Luta dos Povos Indígenas, lembrado neste 7 de fevereiro

Katie Maehler/Marcha das Mulheres Indígenas - Joedson Alves/Agência Brasil
Katie Maehler/Marcha das Mulheres Indígenas - Joedson Alves/Agência Brasil

São Paulo – A condução do recém-criado Ministério dos Povos Originários e da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) por mulheres marcam o Dia Nacional da Luta dos Povos Indígenas, comemorado nesta terça-feira (7). Com elas à frente, renasce a esperança de reconstrução e de fortalecimento das civilizações primordiais do país. A data foi criada em 2008 como forma de dar visibilidade aos debates sobre pautas importantes desses povos.

Para a ministra dos Povos Originários, Sonia Guajajara, as invasões de territórios, o desmatamento, o garimpo ilegal, a falta de assistência adequada em saúde e saneamento, entre outros, são sinais evidentes de que o Brasil vive uma profunda crise humanitária, como destacou no dia de sua posse como primeira indígena a ocupar um cargo de ministra.


“Não é mais possível convivermos com povos indígenas submetidos a toda sorte de males, como desnutrição infantil e de idosos, malária, violação de mulheres e meninas e altos índices de suicídio. Presidente Lula, arrisco dizer, sem exagero, que muitos povos indígenas vivem verdadeira crise humanitária em nosso país e agora estou aqui para trabalharmos juntos, para acabar com a normalização deste estado inconstitucional que se agravou nestes últimos anos.”


Sonia Guajajara tem acompanhado as ações interministeriais que tentam conter a tragédia que se abate o povo Yanomami. Afetados pela presença do garimpo ilegal em suas terras, os indígenas enfrentam desnutrição e doenças como malária e pneumonia, situação histórica que piorou nos últimos anos, sobretudo sob a gestão do governo de Jair Bolsonaro.

Segundo a ministra, setores de inteligência do governo federal e o movimento indígena já identificaram a fuga de garimpeiros da Terra Indígena Yanomami, em Roraima. “Temos essa informação de que muitos garimpeiros estão saindo. Mas é bom que saiam mesmo, porque assim a gente até diminui a operação que precisa ser feita para retirar 20 mil garimpeiros, [o que] demora um tempinho”, disse a ministra, em entrevista. “Importante dizer que, para que a gente consiga sair dessa situação de emergência em saúde, é preciso combater a raiz, que é o garimpo ilegal. Não é possível que os yanomami sigam convivendo com 20 mil garimpeiros dentro do seu território”, destacou.

Atualmente, a Casa de Saúde Indígena (Casai), em Boa Vista, recebe cerca de 600 yanomami, entre pacientes e seus acompanhantes. Além disso, 50 indígenas estão internados no Hospital Geral de Roraima (HGR) e no Hospital da Criança Santo Antonio (HCSA), ambos em Boa Vista. Há duas equipes compostas por profissionais da Força Nacional do Sistema Único de Saúde (SUS), uma em Auaris e outra no Surucucu, onde são feitos, em média, de 60 a 70 atendimentos diários.

Reconstrução

Ao tomar posse na presidência da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), Joenia Wapichana prometeu reconstruir o órgão e elogiou o fato de a Funai estar pela primeira vez sob o comando de indígenas.

“Esse é o primeiro passo que a gente tem de dar. Reorganizar a Funai. Fortalecer, buscar orçamento”, afirmou. A presidenta também citou a falta de servidores públicos e o estoque de ações judiciais acumuladas nos últimos anos como desafios para o órgão.

“Todo esse caminho que percorremos até hoje para chegar aqui foi longo e muito sofrido. Muitas vidas se perderam no caminho e ainda estão se perdendo. Passamos anos de desmonte, de sucateamento, de desvalorização dos servidores públicos.”

Ambivalência

Para o coordenador jurídico da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), Maurício Terena, a data é “ambivalente” pois esses povos vivem momento significativo em relação às políticas brasileiras para a área.

“Digo que ela carrega um sentimento de ambivalência porque, ao passo que estamos felizes com [as novas interlocuções para os povos indígenas], também temos assistido a situação dos yanomami, que sofrem uma crise humanitária desde 2020. Acho importantíssimo salientar a articulação dos povos indígenas, que já vinha denunciando a invasão garimpeira dentro do Território Yanomami”, afirmou.

Segundo Terena, a gestão de Jair Bolsonaro promoveu “uma desestruturação dos órgãos responsáveis pelos povos indígenas”. Entre os pontos destacados pelo coordenador, como sucateamento de políticas públicas, está o enfraquecimento da Funai e a queda no orçamento destinado à área.

Sepé Tiaraju

O Dia Nacional de Luta dos Povos Indígenas é celebrado desde 2008. A data escolhida é uma homenagem ao guarani Sepé Tiaraju, guerreiro morto em 7 de fevereiro de 1756 durante a histórica Batalha de Caiboaté, em São Gabriel (RS).

O motivo do conflito foi o Tratado de Madrid, que estabelecia novas fronteiras entre as colônias da Espanha e de Portugal e, arbitrariamente, determinou a evacuação da população que vivia na República Guarani, na região das Missões, abrangendo o que é hoje o oeste do Rio Grande do Sul, o Norte da Argentina e o Paraguai. Assim como Sepé, cerca de 1.500 indígenas foram mortos na batalha. Contudo, o corpo dele não foi encontrado e, assim, nasceu o mito de que o herói teria subido aos céus, tornando-se um santo.

Em 2017, o Vaticano autorizou o início do processo de canonização do guarani para se tornar, oficialmente, santo. Atualmente, a canonização está na fase de beatificação e deve demorar alguns anos para ser concluída.

Redação RBA – Fábio M Michel



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