Retomada

No Vale do Javari, Rosa Weber afirma que vai pautar marco temporal neste semestre

STF retirou julgamento do marco temporal da pauta em meados ano passado, após Bolsonaro ameaçar descumprir eventual decisão contrária a ruralistas

Fellype Sampaio/CNJ
Fellype Sampaio/CNJ
"Antes de 1500 a gente já estava aqui, não podemos estar submetidos a um marco temporal", disseram líderes indígenas locais

São Paulo – A presidenta do Supremo Tribunal Federal (STF), ministra Rosa Weber, afirmou que pautará, ainda no primeiro semestre, o processo que discute o fim do marco temporal da demarcação de terras indígenas. A declaração foi feita ontem (21), durante visita à Aldeia Paraná, no Vale do Javari, no Amazonas.

De acordo com o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), a visita da ministra e outros magistrados à região, entre segunda (20) e ontem, visa aproximar o Poder Judiciário das populações indígenas. Lideranças indígenas relataram a ela preocupações com o aumento da vulnerabilidade da comunidade, incluindo ameaças de morte por garimpeiros ilegais.

Os indígenas também reclamaram do sucateamento da Funai e da falta de políticas públicas nos últimos anos. Um dos principais pleitos foi a retomada do julgamento sobre o marco temporal. Lideranças e indígenas defenderam que a imposição desse marco representaria uma ameaça aos povos indígenas.

“Pedimos que o Supremo Tribunal Federal adote a correta interpretação da Constituição Federal, que garante que o governo federal proteja nosso território. Antes de 1500 a gente já estava aqui, não podemos estar submetidos a um marco temporal. A não aprovação da tese do marco temporal é importante para a manutenção dos direitos conquistados pelo movimento indígena ao longo da história”, afirma documento assinado pela União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja), que foi lido pelas lideranças à presidenta do STF.

“Julgamento do século”

Considerado o “julgamento do século” por movimentos indígenas, o ministro Luiz Fux – então presidente do STF – retirou o marco temporal da pauta da Suprema Corte, em junho do ano passado. Na ocasião, ele cedeu à pressão do então presidente Jair Bolsonaro, que ameaçava descumprir qualquer decisão que prejudicasse os interesses dos ruralistas.

O STF começou a analisar o caso ainda em 2021. Se aprovada, a tese do marco temporal determinará que só pode haver demarcação de terras indígenas que estivessem comprovadamente sob posse dos povos originários até o dia 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição. Os povos, por exemplo, retirados de seus territórios sem o reocupar até essa data, perderiam o direito à sua terra tradicional.

Até o momento, o julgamento está empatado em 1 x 1. O relator do caso, ministro Edson Fachin, manifestou-se contra o marco temporal. Para ele, o artigo 231 da Constituição reconhece o direito de permanência desses povos independentemente da data da ocupação. No entanto, recém-indicado por Bolsonaro, o ministro Nunes Marques votou a favor.

Bruno e Dom

O Vale do Javari ganhou destaque no noticiário após os assassinatos do indigenista Bruno Pereira e do jornalista jornalista britânico Dom Phillips na região, em junho de 2022. Eles reuniam provas contra criminosos que atuavam no local e pretendiam denunciá-los às autoridades. Três suspeitos pelos assassinatos estão presos. são acusados de homicídios duplamente qualificados, ocultação de cadáver e organização criminosa.