Era de violência

Número de assassinatos no campo cresceu 30% em 2022, aponta Comissão Pastoral da Terra

Documento registra também aumento de 16,7% nos conflitos pela terra. Segundo a CPT, a violência cresceu sobretudo a partir de 2019, com o início do governo Bolsonaro

Arquivo Povos Guarani e Kaiowá
Arquivo Povos Guarani e Kaiowá
Gênese das emboscadas está na reconquista do território ancestral, marcado por repressão – "Massacre de Guapoy", que deixou um morto

São Paulo – Relatório sobre conflitos no campo divulgado nesta segunda-feira (17) pela Comissão Pastoral da Terra (CPT) mostra que em 2022 o número de assassinatos ligados a disputas pela terra aumentou cerca de 30% em relação ao ano anterior. Foram 47 mortos no ano passado, sendo nove adolescentes e uma criança, ante 35 em 2021.

Também foram registradas 123 ameaças de morte, número cerca de oito vezes maior que as 33 registradas em 2021. Segundo a CPT, é o maior registro em todo o século 21. Os indígenas foram os alvos mais frequentes (38%), com 18 mortos. Em seguida os sem-terra (19%), com nove. E também três ambientalistas, três assentados e três trabalhadores rurais.

O levantamento mostra ainda aumento de 16,7% nos conflitos pela terra no Brasil em 2022 em relação ao ano anterior. Nesse cenário de crescimento do registro da pistolagem, dados do Centro de Documentação Dom Tomás Balduíno, da CPT, citam ainda a escalada do trabalho análogo ao escravo e os ataques à Amazônia.

Foram 1.572 conflitos por terra no país, envolvendo 181.304 famílias – 4,61% a mais que o registrado em 2021. Povos indígenas (28%) são os principais atingidos. Desde 2019 aparecem nos registros da CPT como os que mais têm sofrido com a violências nos conflitos por terra. Em seguida, os posseiros (19%), as comunidades quilombolas (16%), sem terra (12%) e famílias assentadas da reforma agrária (9%).

Os fazendeiros foram responsáveis por 23% dos conflitos em 2022, seguidos pelo governo federal (16%), empresários (13%) e grileiros (11%). O governo do então presidente Jair Bolsonaro (PL) foi aumentou sua participação nos conflitos no ano passado. O percentual em 2021 foi 10%.

Aumento das ações de pistoleiros e assassinatos

O tipo de violência mais grave levantado pela CPT foi a invasão de territórios, que afetou 95.578 famílias em todo o país. Dos 47 assassinatos no campo registrados pela CPT em 2022, 14,89% estavam associados a esse tipo de violência. Em 2021, foi 5,56%.

Segundo a Pastoral, as invasões de territórios têm crescido no país, especialmente a partir de 2019, com o início do governo Bolsonaro. Entre 2013 e 2022, foram registradas 1.935 invasões de territórios no Brasil. Porém, somente durante a gestão Bolsonaro, foram 1.185. Isso equivale a 61,25% dos registros de toda a década. Do total de 661 Terras Indígenas invadidas na última década, 411 foram entre 2019 e 2022.

Foram registradas 180 ações de pistoleiros, afetando 30.624 famílias – um aumento de 32% no número de famílias e 86% nos registros em comparação ao ano anterior. De todos os assassinatos no ano passado, 27,66% estavam ligados a alguma ocorrência de pistolagem. Em 2021, o percentual foi de 11%. Para a CPT, a pistolagem no campo emerge em contextos de ausência de mediação ou atuação do Estado para solucionar ou mitigar os conflitos no campo.

A Amazônia Legal concentrou 1.107 conflitos no campo, mais da metade (54%) de todos ocorridos no país. É o segundo maior número já registrado pelo Centro de Documentação Dom Tomás Balduino, perdendo para 2020.

Conflitos no campo na Amazônia Legal

Nos últimos 10 anos, a região vive um crescimento da violência, com agravamento da situação após o golpe de 2016. Dos 47 assassinatos no campo registrados, 34 foram lá, o que equivale a 72,35% do total nacional.

  • Em 2022, foram catalogados 207 casos de trabalho análogo à escravidão no meio rural, com 2.618 pessoas envolvidas nas denúncias e 2.218 resgatadas, o maior número dos últimos dez anos, aumento de 29% em relação ao ano anterior. O estado de Minas Gerais concentrou o maior número desse tipo de violência (62 casos com 984 pessoas resgatadas), seguido por:
  • Goiás (17 casos com 258 pessoas resgatadas);
  • Piauí (23 casos com 180 pessoas resgatadas);
  • Rio Grande do Sul (10 casos com 148 pessoas resgatadas);
  • Mato Grosso do Sul (10 casos com 116 pessoas resgatadas);
  • e São Paulo (10 casos com 87 pessoas resgatadas).
  • O agronegócio é o maior responsável pelo trabalho análogo ao escravo no Brasil.

A Comissão também destaca 113 registros de mortes em consequência de conflitos, como o garimpo, vivido pelos Yanomami. Em 2022 foram 103, dos quais 91 eram crianças. Estes números foram baseados em denúncia do portal Sumaúma, que mostrou números ainda mais altos de mortes evitáveis de indígenas Yanomami desde 2019.

Crianças vitimadas

Segundo a CPT, “a quase totalidade desta violência durante o governo Bolsonaro atingiu pessoas de 0 a 12 anos em Terra Indígena Yanomami”. Em 2021, foram 156 ocorrências, das quais 150 eram crianças (96,1%); em 2020, 162, e em 2019, 159 – nestes dois anos todos os registros foram de crianças vitimadas.

O relatório traz ainda conflitos que se agravam com a contaminação pelo uso de agrotóxicos. Em 2022 o número de casos aumentou 171,85%, passando de 71 para 193 pessoas atingidas. O número de famílias atingidas pela aplicação dos venenos aumentou 86% em relação ao ano anterior: 6.831 famílias. É o maior número registrado pela CPT desde 2010, quando esse tipo de violência passou a ser apurada pela Pastoral.

Redação: Cida de Oliveira