Combate à desigualdade

ONU afirma que igualdade de gênero pode reduzir a insegurança alimentar

Mulheres que trabalham nos sistemas agroalimentares ganham apenas 82 centavos para cada dólar recebido por homens. Promoção da igualdade pode beneficiar 45 milhões de pessoas

Arquivo MST
Arquivo MST
Atualmente, 36% das mulheres que trabalham globalmente estão envolvidas com sistemas de produção agroalimentares

Jornal da USP – Segundo a Organização das Nações Unidas (ONU) para a Alimentação e Agricultura (FAO), a igualdade de gênero pode promover a diminuição da insegurança alimentar de 45 milhões de pessoas. Relatório divulgado pela entidade comenta que diminuir essa desigualdade pode aumentar a produção dos sistemas agroalimentares.

Isso acontece, entre diversos motivos, pelo fato de as mulheres ganharem menos que os homens pelo mesmo tipo de trabalho. As mulheres que trabalham nos sistemas agroalimentares ganham apenas 82 centavos para cada dólar recebido por homens. Assim, o aumento de salário, condições igualitárias e maiores políticas sociais (creches integrais) podem auxiliar no combate à fome.

A discussão revela-se importante, pois, também segundo a FAO, 36% das mulheres que trabalham globalmente estão envolvidas com sistemas de produção agroalimentares. Heliani Berlato, professora da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq), comenta sobre esse cenário: “Sempre há também uma precarização no modus operandi de trabalho dessa mulher. Muitas vezes relacionado aos papéis sociais. Então, esse é um ponto importante que precisa ser destacado. As melhores formas que a gente entende para promoção de igualdade de gênero partem primeiramente da consciência. A consciência que a sociedade precisa ter sobre o trabalho de homens e mulheres, é assim que a gente vai avançar na discussão de igualdade de gênero, principalmente no campo, onde a gente tem uma agricultura familiar também com forte trabalho”.

Além disso, o Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar revela que a segurança alimentar é menor em lares chefiados por mulheres. Enquanto aqueles que são chefiados por homens apresentam taxa de segurança alimentar de 47,9%, o número cai para 37,05% quando as mulheres são as chefes, ou seja, mais de seis em cada dez lares chefiados por mulheres estão classificados em algum nível de insegurança alimentar. É interessante notar também que, mesmo em famílias com rendimentos mais altos, sendo a mulher a pessoa de referência, o risco de insegurança alimentar é maior. 

Por fim, Heliani explica ainda que a relação entre a insegurança alimentar e o trabalho feminino na agricultura fazem referência à promoção de condições dignas ao trabalho das mulheres, fator que promoveria a produtividade do sistema e a redução da fome em uma escala mundial. Entende-se, dessa forma, que atribuir o devido protagonismo ao trabalho das mulheres pode ser um bom caminho para a solução da problemática.

Mais gente convivendo com a fome

O Segundo Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar revelou que, entre o final de novembro de 2019 e abril de 2022 (período de um ano e quatro meses), 14 milhões de pessoas passaram a conviver com a situação de fome no Brasil. A pandemia de covid-19 foi um forte agravante para a situação, contudo, é necessário entender que a fome apresenta raízes profundas na história brasileira. 

Dirce Marchioni, professora da Faculdade de Saúde Pública da USP, explica o significado da palavra: “A insegurança alimentar significa falta de acesso a alimentos em quantidade e qualidade adequadas para a garantia da saúde. Em contraponto, a segurança alimentar representa a realização do direito de todos ao acesso regular, permanente e irrestrito a alimentos de qualidade, seja por meio de aquisições financeiras ou diretamente, alimentos que sejam seguros e em quantidade e qualidade adequadas e suficientes, sem que isso comprometa o acesso a outras necessidades essenciais como educação e saúde”.

Insegurança alimentar

“No mundo, segundo relatório que acaba de ser lançado pelas Nações Unidas e diversas organizações multilaterais, a insegurança alimentar aguda passou de 83 milhões de pessoas em 2016 para 193 milhões em 2021 e 253 milhões em 2022. Ou seja, triplicou em seis anos”, comenta o professor da Faculdade de Saúde Pública da USP Ricardo Abramovay, ao refletir sobre o aumento mundial desse cenário. 

É importante mencionar que formas menos severas de insegurança alimentar também estão aumentando. Em 2021, a subalimentação chegou a atingir 9,8% da população mundial, valor que representa cerca de 800 milhões de pessoas. O professor completa que existem diferentes formas de subalimentação, as menos severas atingem 30% da população mundial, cerca de 2,3 bilhões de pessoas. 

No cenário nacional, o Segundo Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar revelou que seis de cada dez brasileiros não têm acesso pleno à alimentação e que 15% da população enfrenta situação de fome, ou seja, cerca de 33 milhões de pessoas. A mesma pesquisa revelou que 8,2% das famílias relataram sensação de vergonha, tristeza ou constrangimento para garantir o que comer. 

A insegurança alimentar apresenta diferentes justificativas para o seu nascimento, entre estas se encontram o aumento do desemprego e o sucateamento de políticas públicas de valorização do salário mínimo, por exemplo. Abramovay destaca ainda a importância de entendermos e lutarmos contra o desmantelamento das políticas sociais que, em situações de crise, permitem localizar os segmentos mais vulneráveis da população e ao menos garantir-lhes alimentação.

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Dirce Marchioni conclui que o combate à fome e a garantia da segurança alimentar representam problemas complexos, que apresentam múltiplas causas e suas raízes fundamentadas na desigualdade social presente no território nacional, assim, soluções para a questão devem ser pensadas de forma a garantir a saúde dos indivíduos e do planeta. 


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