Gilmar Mendes quer devolver terras a grileiros, diz Iterpa

Movimentos sociais consideram que Justiça deveria ocupar-se dos mais de 600 assassinatos por disputas agrárias no Pará

O presidente do STF, Gilmar Mendes, que já teve atritos com o Executivo e o Legislativo, considera ilegais movimentos como o MST, o que gera críticas por parte da Procuradoria Geral da República (Foto: Wilson Dias. Agência Brasil)

Ações de reintegração de posse de áreas griladas no Pará estão entre os alvos de um mutirão fundiário anunciado nesta sexta-feira (4) pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ). O mutirão pretende avaliar ações de proprietários de grandes áreas ocupadas, em sua maioria, por agricultores sem terra.

O presidente do CNJ e do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes – que na sexta-feira (4) esteve em Marabá para dar início ao mutirão do Judiciário -, espera que sejam conduzidas conciliações para evitar novos conflitos em uma das regiões mais violentas do país, o sul e o sudeste paraenses.

Várias das áreas em que o CNJ quer promover conciliação são grandes propriedades em que historicamente são promovidas ocupações por agricultores sem terra. Pelo menos uma dessas fazendas pertence ao banqueiro Daniel Dantas, do Opportunity, e outra já foi  flagrada empregando pessoas em regime de trabalho análogo à escravidão. O Instituto de Terras do Pará (Iterpa) confirmou à reportagem da Rede Brasil Atual que há diversas áreas griladas incluídas no mutirão.

Além da violência por conflitos de posse, não foi por acaso que o estado foi escolhido pelo CNJ para a abertura dos trabalhos. Gilmar Mendes, que mais de uma vez criticou ações do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), pressiona abertamente para que a governadora Ana Júlia Carepa (PT) acelere o cumprimento das ações de reintegração de posse.

Recentemente, o Tribunal de Justiça do Pará decidiu enviar ao STF os casos de disputas agrárias locais, o que gerou polêmica nos bastidores do Judiciário e do governo estadual. A Casa Civil e o procurador Geral do Estado apressaram-se em negar desconforto e garantiram não se tratar de uma intervenção federal no estado.

O foco do governo foi lembrar que as liminares de reintegração têm sido cumpridas sempre que fica comprovada a legalidade da terra, ou seja, que as propriedades não são griladas, que a função social da área é cumprida e que não há desrespeito à legislação trabalhista. Além disso, o estado afirma que a política de enfrentamento aos conflitos fundiários passa pela incorporação de um milhão de hectares já destinados a 11 assentamentos de trabalhadores rurais.

Coincidência ou não, nesta sexta-feira a Procuradoria-Geral do estado entrou com ações para que sejam revogadas as reintegrações de posse de duas fazendas cujos títulos eram grilados – as áreas são patrimônio estadual.

O presidente do Iterpa, José Heder Benatti, manifesta preocupação com a possibilidade de o mutirão promover a reintegração de áreas ilegais. A Secretaria de Segurança Pública do estado mobilizou efetivos policiais que estarão à disposição para promover o cumprimento de liminares. Benatti não está seguro de que o evento promovido por Gilmar Mendes terá efeitos positivos.

“Por que razão o Judiciário vai reintegrar uma propriedade que não cumpre a função social? Movimenta-se todo o aparato e a pessoa não tem título de propriedade. Essa questão precisa ser analisada”, pondera.

A julgar pela nota oficial do CNJ sobre o mutirão, o foco será mesmo a reintegração de posse. “Há 16 liminares não cumpridas no município. Nosso objetivo é fazer uma remoção pacífica, deslocando os ocupantes das terras para outro imóvel”, afirma o coordenador das ações, Marcelo Berthe, no comunicado do conselho.

O Ministério Público Federal informou à reportagem que, de acordo com os dados levantados junto à Justiça Federal, não há qualquer reintegração pendente na região de Marabá. O procurador da república André Casagrande Raupp, que entende não haver motivo para o envio dos casos ao Judiciário Federal, aponta que o principal esforço deveria ser pela conciliação, já que a região é de expansão da fronteira agrícola brasileira, o que potencializa a ocorrência de conflitos.

“Na questão de reintegração, o que não pode haver é descumprimento da ordem judicial. Deve ser executada com rapidez. Uma segunda questão é ver se de fato a posse é ilegal”, aponta.

Manifestações

Durante o ato de lançamento do mutirão, representantes de movimentos sociais distribuíram um manifesto no qual protestam contra o benefício dado a “fazendeiros e grileiros de terras públicas”. O texto destaca que a crescente migração de famílias pobres para a região agrava as tensões graças à ausência de políticas públicas e que o Pará tem 6 mil títulos falsos de terras.

José Batista Afonso, advogado da Comissão Pastoral da Terra (CPT) em Marabá, alerta que o CNJ espera reintegrar a proprietários privados terras que são de domínio público e sobre as quais já houve até decisão judicial. Para ele, o ministro Gilmar Mendes desrespeita a Constituição, em especial naquilo que diz respeito à definição de áreas improdutivas.

“Em síntese, entendemos que fazer mutirão para exigir cumprimento de liminar é desconhecer os problemas graves do conflito no campo, em especial nessa região do estado. O CNJ deveria focar nas causas geradoras dos problemas. Um ponto é o combate à impunidade. Além dos títulos falsos de propriedade, são mais de 600 assassinatos apenas nessa região, e nenhum mandante de crime foi condenado”, lamenta.

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