O Horror

Livro relata últimos seis anos como período mais cruel pós-ditadura para povos indígenas

Publicação do Instituto Socioambiental traz vozes de diferentes culturas para relatar os dias de terror durante governos de Temer e Bolsonaro

ALAN SANTOS/PR
ALAN SANTOS/PR

São Paulo – O Instituto Socioambiental (ISA) lançou na última semana o livro Povos Indígenas no Brasil 2017-2022, que fala sobre “o período mais cruel pós-ditadura para indígenas no Brasil”. São relatos e dados sobre o contexto dos povos originários no país no período após o golpe parlamentar contra a presidenta Dilma Rousseff (PT), em 2016. Desde então, o cenário se agravou com a política do ex-presidente Jair Bolsonaro.

A 13ª edição da publicação da ISA reúne mais de 100 artigos sobre o tema. Além dos ataques diretos aos povos originários por, entre outros, garimpeiros apoiados pelo ex-presidente, pesou no período o desmatamento recorde na Floresta Amazônica. “A natureza está falando há muito tempo. E nós, povos indígenas, também estamos falando há muito tempo. Destruir a floresta leva às consequências que estamos vendo hoje”, disse a liderança Txai Suruí, durante lançamento, na última segunda-feira (21), em São Paulo.

Logo no início do livro, a jornalista Tainá Aragão e a antropóloga Fany Ricardo descrevem o cenário. “Ao longo dos seis últimos anos, quatro deles governados por Bolsonaro e dois sobrepostos a uma crise pandêmica, os povos indígenas resistiram sistematicamente ao método genocida aplicado por um governo anti-indígena. Ou seja, o aparelho do Estado foi utilizado contra os territórios e os corpos originários em nome de uma ordem e um progresso assassinos”.

O trabalho está disponível para download gratuito no site do acervo do ISA.

Protagonismo e resistência

A obra dá voz a lideranças indígenas de diferentes povos originários do Brasil. “Os anos que passaram foram muito desafiadores para cada um de nós, principalmente para o Alto do Rio Negro”, diz Francy Baniwa. “Para meu povo Baniwa, território significa um lugar sagrado, porque o povo Baniwa se originou de um lugar sagrado chamado ripana, que é o umbido do mundo”, define sobre a ligação dessas culturas com a floresta.

O desrespeito a essas populações está intrínseco à devastação da floresta. “Terra é atemporal, espiritual, cultural e tradicional. A terra é tradicional dos povos indígenas, a gente surgiu da terra e a gente está na terra, assim como a terra está para nós. Há esse processo de cuidado com a terra, de defesa pela terra. A terra é nossa mãe. A gente não bate na nossa mãe. Então a gente luta defendendo essa nossa mãe”, resume João Victor Pankararu.

Ações e omissões de Bolsonaro levam violência e morte entre indígenas

Adeus, Bruno

A publicação também faz homenagem aos mortos, indígenas e ativistas desses povos no Brasil, em defesa da floresta. Entre eles, o indigenista Bruno Pereira, assassinado em junho de 2022 em razão de seu trabalho de preservação dos povos e do território. Ele morreu ao lago do amigo, o jornalista inglês Dom Phillips, do The Guardian. Agora, o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tenta preservar seu legado.

“Enterramos Bruno, nosso irmão mais velho. Hoje, a terra onde ele nasceu o recebe, seu corpo reencontra o barro, as raízes das plantas, a água e o calor do solo. Seu corpo carrega o perfume salgado do mar e o aroma denso da mata que ele defendeu até que os destruidores da floresta o mataram de forma traiçoeira. Nossos olhos misturam lágrimas de tristeza profunda e de revolta intensa”, afirma texto do Observatório dos Direitos Humanos dos Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato (OPI).

“Bruno era grande e forte de corpo e de alma, sua voz era firme para estar junto na defesa da terra e suave para encantar-se com a beleza dos povos da floresta. Era incapaz de permanecer em silêncio quando a avidez e a violência do Estado e dos predadores da mata arrancavam a vida das Terras Indígenas. Ao mesmo tempo, ouvia calado a voz dos mais velhos nas aldeias, e aprendia deles outras maneiras de resistir no mundo”, completa.

Esperança

Pontuadas as tragédias ambientais do governo Bolsonaro, a publicação destaca, em contrapartida, a esperança em dias melhores. Em especial, pela participação mais ativa de povos indígenas na política do Brasil. Desse modo, um dos exemplos mais marcantes é a ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara.

Sonia Guajajara, que já presidiu a Apib, tomou posse como ministra dos Povos Indígenas. A Funai agora integra o novo ministério e passa a ser chefiada por uma mulher indígena, a ex-deputada federal Joenia Wapichana. O Ministério da Saúde também ganha representação indígena pela primeira vez. A Secretaria de Saúde Indígena (Sesai) agora é dirigida pelo advogado Weibe Tapeba. A participação cada vez mais marcante das mulheres indígenas na luta pelos seus direitos e na construção de um Brasil mais inclusivo é tema de destaque desta edição”, destaca o ISA.


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