No Maranhão

Em menos de um mês, indígenas Guajajara sofrem cinco ataques. Três morreram

Violência contra os povos indígenas é resultado da “desestruturação total dos órgãos de fiscalização” pelo governo Bolsonaro, que favoreceu invasões dos territórios, denuncia Cimi

Tiago Miotto/Cimi
Tiago Miotto/Cimi
A visão dos indígenas que se levantaram durante todo o dia pelo país foi ignorada

São Paulo – O povo indígena Guajajara, do Maranhão, foi alvo de pelo menos cinco ataques armados em janeiro, denuncia o Conselho Indigenista Missionário (Cimi). Das pessoas atacadas, apenas duas sobreviveram. Entre os 9 e 31, quatro indígenas da etnia, e um motorista não-indígena da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), foram vítimas da violência crescente no estado.

A entidade mostra que quatro das vítimas eram da Terra Indígena (TI) Arariboia. O território, que é ocupado por diversas aldeias do povo Guajajara e por indígenas Awá, em isolamento voluntário, sofre crônicos ataques de madeireiros e caçadores.

O histórico processo de invasão das florestas movida por interesses comerciais for agravado nos últimos quatro anos, quando a exploração sem limites de riquezas naturais da região se somaram à extração ilegal de madeiras, conforme aponta o coordenador do Cimi Regional Maranhão, Gilderlan Rodrigues.

De acordo com o indigenista, em entrevista à jornalista Marilu Cabañas, no Jornal Brasil Atual, desta quinta (9), a violência crescente na região é resultado da “desestruturação total dos órgãos de fiscalização do Estado brasileiro” durante o governo de Jair Bolsonaro (PL). 

“Olha o que a gente está vendo atualmente, o que está acontecendo na TI Yanomami. É um exemplo de que houve um desaparelhamento dos órgãos federais do Estado que era intencional, para não cumprir sua função e, assim, favorecer as invasões dos territórios indígenas, explica o coordenador do Cimi.

“Porque à medida que a Funai, o Ibama não têm condições de fazer seu papel, é lógico que isso favorece as invasões”, completa. 

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A escalada da violência neste ano começou já no dia 9 de janeiro, quando dois jovens do povo Guajajara foram baleados nas proximidades da aldeia Maranuwi, na TI Arariboia. Benedito Guajajara, de 18 anos, e um adolescente, de 16, pela rodovia MA-006 quando foram atacados por tiros disparados de dentro de um carro preto. O autor do crime não foi identificado. 

Os dois jovens foram hospitalizados em estado grave no município de Grajaú. Mas sobreviveram e, recentemente, voltaram à aldeia, onde são acompanhados por uma equipe de saúde multidisciplinar. O atentado, porém, repetiu as mesmas características outros ataques ocorridos nos últimos anos na TI. Como os que vitimaram Janildo Oliveira Guajajara e Jael Guajajara, mortos em 3 de setembro de 2022. E o líder comunitário Antônio Cafeteiro, também assassinado uma semana depois, no dia 11. 

Escalada da violência

Neste ano, em 25 de janeiro, o corpo de José Inácio Guajajara, conhecido como Zé Inácio, foi encontrado com marcas de violência nas margens da BR-226. O Instituto Médico Legal (IML) afirmou que o indígena morreu em decorrência de “causas naturais”, apesar das marcas de espancamento. O Cimi cobrou investigações do caso mas, até o momento, não houve atualizações. Zé Inácio foi a única vítima de fora da TI Arariboia. Ele morava na aldeia Jurema, localizada na TI Cana Brava. 

Três dias depois, a violência na região também vitimou Valdemar Guajajara, da aldeia Nova Viana. Seu corpo foi encontrado em um bairro da área urbana da cidade de Amarante do Maranhão, município sobreposto à TI Arariboia, onde morava. Um suspeito de ter cometido o crime foi preso e o caso segue sob investigação.

No último dia do mês, o servidor Raimundo Ribeiro da Silva, de 57 anos, também foi assassinado a tiros na aldeia Abraão, na mesma terra indígena. Motorista da Sesai, ele era casado com uma indígena Guajajara e reconhecido pelo dedicação e trabalho junto às comunidades. Até o momento, contudo, não há desdobramento sobre o caso. 

A falta de resposta da Justiça preocupa o coordenador do Cimi, dado o histórico de crimes não elucidados na região. Entre 2003 e 2021, 50 indígenas do povo Guajajara no Maranhão foram assassinados a tiros – uma morte a cada quatro meses, em média –, de acordo com dados da plataforma Caci, que mapeia casos sistematizados pelo relatório Violência contra os Povos Indígenas no Brasil, do Cimi. Desse total, 21 eram indígenas da TI Arariboia. 

Clamor por justiça

Mesmo assim, Gilderlan relata que ninguém foi responsabilizado pelas mortes. A exceção pode ficar com caso, mais recente, da morte de Paulino Guajajara. Ex-integrante dos Guardiões da Floresta da TI Arariboia, ele foi emboscado e assassinado por caçadores em novembro de 2019. No ano passado, a Justiça do Maranhão decidiu que os acusados deverão ir a júri popular pelo crime.

Cimi responsabiliza o Estado e o governo Bolsonaro pelo assassinato de Paulo Paulino Guajajara

“São assassinatos que doem bastante, ficamos muito sentidos. Eram pessoas boas, trabalhadoras. Que, ao contrário do que muita gente diz, de que os indígenas vivem às custas do governo, recebem do governo, é mera falácia. Os indígenas trabalham, são trabalhadores rurais para sustentar suas famílias. Então, o assassinato dessas pessoas machuca profundamente”, lamenta o coordenador. 

“O Cimi tem se empenhado no sentido de que os culpados sejam responsabilizados, porque isso não pode ficar impune. A gente encontra lideranças assassinadas na beira das estradas e falam que morreram de causa natural. Mas é mais uma coisa que vai ficando, mais um crime impune, sem aprofundamento, enquanto os indígenas denunciam que o corpo tinha marcas de espancamento. E aí fica o dito pelo não dito e a família fica sem seu ente querido”, acrescenta.

E a fiscalização?

Rodrigues avalia positivamente o projeto de reestruturação dos órgãos de fiscalização, que vem sendo feito pelo novo governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT). De acordo com ele, é preciso garantir a proteção tantos das terras indígenas quanto do entorno dos municípios, para impedir a circulação de madeireiros e caçadores ilegais. 

“Estamos falando da segunda maior terra indígena do estado do Maranhão. São 413 mil hectares, onde vivem mais de 10 mil indígenas, aproximadamente. E tem tanto os Guajajara como também os Awá. Por isso mesmo a preocupação é ainda maior com eles, porque são dois povos que necessitam dessa área para continuar existindo”, adverte Gilderlan Rodrigues. 

Assista a entrevista a violência contra os Guajajara no Maranhão 

Redação: Clara Assunção


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