Violência

Comissão Arns finaliza visita ao Pará, ouve relatos ‘pungentes’ e cobra solução para conflitos no campo

Delegação visitou assentamentos e centros comunitários, colhendo relatos de crimes e ameaças contra sem-terra, ribeirinhos e indígenas. Depoimentos farão parte de relatório que será entregue a autoridades, cobrando providências

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Para não esquecer: integrantes da Comissão Arns visitam memorial em Eldorado dos Carajás, que homenageia os trabalhadores rurais mortos em 1996

São Paulo – A Comissão Arns de Direitos Humanos concluiu ontem (20) visita de uma semana ao estado do Pará. Desde o último dia 15, a delegação percorreu diversas localidades para colher relatos de violência contra trabalhadores sem-terra, populações tradicionais e povos indígenas. Agora, a comissão deve concluir, em até 30 dias, relatório que será entregue a autoridades estaduais e federais, pedindo providências.

Integrantes da comissão passaram pelos municípios de Altamira, Novo Repartimento, Itupiranga, Marabá, Rondon do Pará, Portel, Anapu e Eldorado dos Carajás. Visitaram assentamentos agrários e centros comunitários, onde realizaram entrevistas, reuniões e audiências com vítimas, familiares e lideranças.

Como última etapa da visita, eles foram recebidos ontem na sede do Ministério Público (MPPA). Participaram da reunião o secretário de Segurança Pública do Pará, Ualame Machado, o procurador estadual de Justiça, Cesar Nader Mattar, e o secretário de Direitos Humanos, Jarbas Vasconcelos, entre outros representantes do governo. 

“Isso é para que se evite a repetição de episódios como os de Bruno Pereira e Dom Philips (mortos no ano passado no Amazonas), de Doroty Stang ou de Eldorado dos Carajás. Esse relatório vai ajudar a colher informações para que os órgãos exerçam papel de combate e defesa da vida”, afirmou Paulo Vannuchi, ex-ministro dos Direitos Humanos e integrante da comissão. Ele disse que ouviu centenas de depoimentos contundentes, muitos deles “ouvidos com lágrimas”, sobre os crimes e ameaças na região.

Conflitos agrários

Nos últimos anos, o Pará se tornou o estado brasileiro com o maior número de mortes em conflitos agrários. Entre 2019 e 2022, registrou 111 assassinatos, conforme relatório da Comissão Pastoral da Terra (CPT). Nesse período, a Comissão Arns recebeu dezenas de pedidos de socorro e decidiu viajar aos locais para “dar voz a pessoas que não têm voz”.

Em caso recente, no ano passado, uma família de ribeirinhos foi exterminada em São Félix do Xingu. A maioria dos crimes segue sem resolução na Justiça. Do mesmo modo, a chacina de Pau D’Arco é outro exemplo de impunidade. Em 2017, 10 sem-terra foram assassinados durante ação de reintegração de posse de uma fazenda do sudeste do Pará, ocupada por grileiros. Após o episódio, 25 famílias de trabalhadores rurais voltaram a ocuparam a área, mas ainda sofrem ameaças.

“Ouvimos muitos relatos pungentes durante as visitas aos cinco municípios, vimos pessoas protegidas pelo programa de proteção aos defensores e muitas mulheres nos relataram diversas situações preocupantes. Nos chamou a nossa atenção o fato das mulheres falarem mais que os homens. Elas trazem as crianças para vermos as condições em que se encontram. Nossa finalidade é tentar mudar essa realidade”, disse Belisário dos Santos Jr, ex-secretário de Justiça em São Paulo, que também participa da Comissão Arns.

“É muito desmoralizante para o estado você ter entre os foragidos pessoas que não cumpriram pena alguma, ou simplesmente se evadiram. Pessoas que foram condenadas em crimes que abalaram a opinião pública mundial. A pauta dos direitos humanos é emblemática. Tenho certeza que ela será enfrentada e superada no estado do Pará”, afirmou o secretário Jarbas Vasconcelos. O MPPA se comprometeu em fazer reuniões periódicas com a recém-criada Secretaria de Direitos Humanos, para elucidar os crimes e combater a violência na região.

Carajás, Dorothy, indígenas

Na última segunda-feira (17), a delegação da Comissão Arns recebeu os relatos do povo indígena Parakanã. As 28 aldeias, localizadas entre os municípios de Nova Repartição e Itupiranga, somam mais de 1.500 habitantes. Há um ano, três jovens não indígenas foram encontrados mortos dentro do território. Desde então, moradores de Nova Repartição, município onde os rapazes moravam, vêm acusando e hostilizando os indígenas. Relatos colhidos pela comissão apontam ameaças de violência física e até de morte.

A delegação também conversou com moradores e líderes de três acampamentos do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) na região. De acordo com a comissão, no acampamento Eduardo Galeano, em Canaã dos Carajás, 110 famílias de trabalhadores rurais convivem com atividades ilegais de garimpo de ouro e cobre e sofrem frequentes ameaças.

Além disso, membros da comissão participaram de ato no Acampamento Pedagógico da Juventude  Oziel Alves, em Eldorado dos Carajás, para homenagear os trabalhadores assassinados. No local, a delegação conheceu o Memorial do Massacre dos Sem Terras, onde há uma cruz de madeira que simboliza o crime e uma placa com os nomes dos mortos.

Posteriormente, a comissão visitou a cidade de Anapu, para conhecer o Assentamento Irmã Dorothy Stang, onde a missionária norte-americana foi baleada e morta em 2005, a mando de fazendeiros. O Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) oficializou o assentamento no ano passado. A religiosa é referência na luta pelo assentamento de trabalhadores rurais.

Com informações da Agência Brasil e do MPPA


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