Injusta

‘Cínica’, Justiça de São Paulo nega indenização ao fotógrafo Sérgio Silva. Entidades repudiam

Federação e sindicato de jornalistas classificam como “criativo e surreal” argumento utilizado pelo TJ-SP para negar indenização a fotógrafo que ficou cego por tiro de borracha disparado pela PM quando cobria os protestos de junho de 2013

Sérgio Silva/Arquivo Pessoal
Sérgio Silva/Arquivo Pessoal
Para SJSP e Fenaj, decisão contra Sérgio Silva ameaça a liberdade de expressão e legitima violência contra jornalistas

São Paulo – O Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado de São Paulo (SJSP) e a Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) receberam com indignação a notícia de que a Justiça paulista negou indenização ao repórter-fotográfico Sérgio Silva, que ficou cego após ser atingido por bala de borracha disparada pela Polícia Militar. Isso aconteceu quando o profissional registrava a violência policial durante ato público no dia 13 de junho de 2013. Três desembargadores do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) decidiram manter a decisão de 2017, da mesma turma que julgou improcedente o pedido de indenização feito pelo fotógrafo.

Sérgio cobria manifestação contra o aumento das tarifas de ônibus, quando a PM abriu fogo contra a multidão. A violência da ação deixou mais de 100 pessoas feridas, entre eles vários jornalistas, como o próprio Sérgio Silva, a repórter Giuliana Vallone (também atingida no olho), o repórter-fotográfico Fábio Braga (atingido no rosto) e o repórter-fotográfico Filipe Araújo (atropelado por uma viatura da Força Tática). A própria PM admitiu ter disparado nada menos do que 178 tiros de bala de borracha e mais de 500 bombas de efeito moral.

No entanto, os desembargadores alegaram não haver provas de que a lesão que cegou Sérgio foi causada por bala de borracha disparada pela PM. Os magistrados citaram laudo pericial que aponta que o ferimento poderia ter sido causado por “pau, pedra, mão, cabeça, bolas de gude, bolas e tacos de bilhar, ‘paintball’, coronha de armas, máquina fotográfica próxima ao olho para fotografia e até mesmo projéteis de arma de fogo feitos de borracha ou de elastômero etc”.

“Esse criativo e surreal argumento da bola de gude, taco de bilhar e ‘paintball’, entre outras possibilidades, é uma forma cínica de o TJ-SP se furtar a aplicar ao caso de Sergio Silva a mesma decisão tomada pelo Supremo Tribunal Federal no ano passado a propósito de outro caso de jornalista atingido no olho por bala de borracha, o repórter-fotográfico Alex Silveira“, afirmam o sindicato e a Fenaj, em nota.

Caso Alex

Em caso semelhante, o também fotojornalista Alex Silveira foi atingido no olho esquerdo por um tiro de bala de borracha vindo da Tropa de Choque da PM, enquanto fazia a cobertura de um protesto de servidores na Avenida Paulista, em 18 de maio de 2000 (governo Mário Covas, PSDB). Alex, que trabalhava para os jornais Folha de S.Paulo e Agora SP, sofreu perda visual quase total.

Depois de sucessivos recursos, ele finalmente teve reconhecido seu direito a indenização, em julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF). Os ministros Alexandre de Moraes, Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Rosa Weber, Dias Toffoli, Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes, nessa ordem, acompanharam o relator do processo, Marco Aurélio Mello. Todos no sentido de que o Estado é responsável pelo resultado da ação policial. O único voto divergente foi de Nunes Marques.

O relator se posicionou contra a sentença do TJ-SP. Mesmo admitindo que a bala de um policial foi responsável pelo ferimento, a Justiça Paulista havia reformado sentença de primeira instância, que apontou culpa exclusiva da vítima e negou pedido de indenização por danos materiais e morais por parte do Estado.

Sobre o caso de Sérgio, o Sindicato dos Jornalistas e a Fenaj destacam que o TJ-SP nem sequer permitiu a sustentação oral dos seus advogados, preferindo a “tese absurda” de que o ferimento teria sido causado por outros meios, ignorando o fato de que a lesão ocorreu justamente em meio à repressão violenta dos policiais.

Liberdade de expressão ameaçada

“É preciso que fique claro: quando a PM elege jornalistas como alvo, tenta impedir as testemunhas e os registros de sua violenta e ilegal ação contra manifestações dos movimentos sindicais e sociais. É uma atitude deliberada contra a liberdade de imprensa, apoiada pela cúpula da Justiça paulista”, afirmam o sindicato e a federação.

Para as entidades, a decisão contra Sérgio “ameaça a um só tempo o direito de informar e de a sociedade ser informada, além de legitimar toda a sorte de abusos cometidos pelas forças repressivas contra os profissionais de imprensa”.


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