No interior paulista

Ação pede que governo Tarcísio restaure Etec de Pinhal que doou terreno a grande indústria

Construído nos anos 1930 para formar mão de obra especializada para a cafeicultura, antigo colégio agrícola está sucateado e teve área de cafezal doada a grupo industrial

Divulgação/Ex-alunos do Dr. Carolino da Motta e Silva
Divulgação/Ex-alunos do Dr. Carolino da Motta e Silva
Instalações sucateadas: escola está em região que café ainda está em alta

São Paulo – Um ano e meio é o prazo que o governo de Tarcísio de Freitas (Republicanos) tem para restaurar as instalações de uma escola técnica que teve 90% do terreno doado para uma grande indústria. É o que pede ação movida pelo Ministério Público de São Paulo (MP-SP), que tramita desde 23 de março na 1ª Vara do Fórum de Espírito Santo do Pinhal, no interior paulista. O município, mais conhecido como Pinhal, fica na região mogiana, na divisa com Minas Gerais, ao lado de Poços de Caldas.

O promotor Fausto Luciano Panicacci pede na ação civil pública que a Justiça condene Tarcísio, por meio do Centro Paula Souza, a restaurar todas as edificações e instalações históricas. Ou seja, equipamentos de beneficiamento de café da Etec Dr. Carolino da Motta e Silva. Com destaque para as edificações construídas na década de 1930. E também outras, mesmo posteriores, que tenham se somado ao complexo de beneficiamento de café. Estão incluídos a tulha – casa ou compartimento onde se depositam ou guardam os grãos do café –, o terreiro, lavador de café, ponte do terreiro e máquinas e equipamentos de beneficiamento ali instaladas. Tudo sob pena de multa diária de R$ 1.000 em caso de descumprimento.

A ação do MP-SP foi provocada pela associação de ex-alunos do então colégio agrícola, criado nos anos 1930 para formar mão de obra qualificada para o café. A cultura, aliás, ainda é a principal da região nos dias de hoje. Motivo pelo qual a instituição deveria ser valorizada e fortalecida, com a criação de mais cursos.

Via prefeitura, Estado doou terreno a grupo empresarial

“Estudei lá na década de 1980. O colégio era autossuficiente. Produzia arroz, feijão, ovo, carne, leite, algumas frutas, hortaliças. Hoje quase nada se produz na escola, que teve cursos paralisados, embora a cultura do café ainda seja forte na região. Está tudo caindo, tudo destruído. O sucateamento reforçou o discurso daqueles que, supostamente se levantando contra o abandono, defendem a necessidade de ‘dar um uso’ ao local”, disse à RBA o perito ambiental Márcio Ackermann, vice-presidente da associação dos ex-alunos.

Segundo ele, em agosto de 2021 o grupo tomou conhecimento de que estava em curso um forte movimento de destruição dos 22 mil pés de café do cafezal experimental da escola. E da instalação de rede elétrica onde eram feitas pesquisas em parceria com a faculdade de agronomia de Pinhal. Tudo está registrado em um relatório fotográfico e também em um laudo técnico. Além disso, a associação registrou boletim de ocorrência.

Ackerman relatou que soube depois que as obras no terreno do antigo colégio eram de abertura de um distrito industrial. Mas não havia placa de identificação nem indicação do técnico responsável pelo projeto. Tampouco alvará municipal ou licença ambiental. A legislação determina que atividades potencialmente poluidoras, como é o caso de instalação de indústrias, exigem licenciamento ambiental tanto para instalar como para operar.

Pressão barrou distrito industrial em terreno de escola

Foi quando a associação se deu conta de que, em 2016, a prefeitura de Espírito Santo do Pinhal aprovou lei incorporando o cafezal experimental – na verdade parte dos laboratórios da escola – à área urbana do município. O argumento era criar o distrito industrial Laércio Casalecchi. E pior: doou 90% dessas terras às indústrias Pinhalense S/A Máquinas Agrícolas, que produzem equipamentos para produtores de café. “Está tudo registrado no cartório. Na matrícula desse distrito industrial, de 2016, essa terra dada está no valor de R$ 2,6 milhões”, disse Ackermann.

Esse terreno, inicialmente, havia sido doado pelo estado, hoje conduzido por Tarcísio de Freitas, como desdobramento da Lei Estadual 16.338, aprovada naquele mesmo ano. A legislação autorizou o governo a alienar áreas, entre elas algumas pertencentes a escolas agrícolas do Centro Paula Souza e de vários institutos de pesquisa estaduais. A aprovação da lei estadual, aliás, se deu em meio a grande oposição da sociedade.

Imagem mostra parte do cafezal destruído. Área pública foi doada a grupo empresarial

O boletim de ocorrência de 2021, entretanto, não surtiu efeito jurídico. Assim como uma representação ao Ministério Público. A associação descobriu posteriormente que houve arquivamento mesmo sem investigação. Isso porque a direção de Meio Ambiente da prefeitura argumentou que fazia manejo no terreno para evitar incêndios e a Cetesb acreditou.

Meta é que Tarcísio devolva o terreno à Etec

Mas a entidade continuou no caso e a disputa jurídica conseguiu barrar o avanço da implementação do distrito industrial. Até agora, a prefeitura conseguiu iniciar a construção de cerca de 200 casas populares nas imediações, em região afastada e sem infraestrutura. Tanto que usa parte da área do antigo colégio agrícola, hoje Etec, para tentar construir caixas de água – o que também chamou a atenção do MP-SP.

A associação dos ex-alunos busca também auxílio de parlamentares em ações que possam ajudar a reaver o patrimônio. É o caso de procedimentos burocráticos, como pressionar a agência ambiental paulista, Cetesb, a exigir o licenciamento. E também a dar explicações sobre a omissão de um servidor no caso.

“Vamos para a briga”

Diante da tramitação da ação civil pública, em que o governo Tarcísio de Freitas pode ser condenado a restaurar todas as instalações do antigo colégio, os ex-alunos ganharam ânimo novo. Segundo Ackermann, o próximo passo é colocar em prática um projeto já aprovado de maneira consensual: o ingresso de uma ação contra as indústrias beneficiadas com 90% dos antigos cafezais.

“A gente pretende reformar uma ação que havíamos representado ao MP, e vamos pedir a devolução dessas terras”, disse. Conforme adiantou, a intensa atuação em busca de justiça no caso trouxe mais entendimento e abriu novos horizontes de possibilidade dentro da legislação. “A gente foi estudar a lei e viu sobre desrespeito em condicionantes da lei estadual de doação. Então a gente tem hoje o direito legal de reaver, de o estado reaver essa área. Ou seja, de ela deixar de ser distrito industrial. A lei dá um prazo pra iniciar obra, gerar emprego, o que eles não cumpriram. Vamos pra briga.”


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