Privatização sem limites

Governo do RS vende territórios indígenas junto com empresa de eletricidade

Depois de privatizar os serviços de distribuição da Companhia Estadual de Energia Elétrica do Rio Grande do Sul, governo tucano do estado vende usinas hidrelétricas para empresa da CSN. No pacote vão junto terras ancestrais ocupadas pelos povos indígenas Kaingang e Mbya Guarani

Joana Bassi/Divulgação
Joana Bassi/Divulgação
Aldeia Guarani Guajayvi, em Charqueadas: uma das que ficará a mercê dos empresários da exploração de madeira

São Paulo – Depois de privatizar os serviços de transmissão e distribuição da Companhia Estadual de Energia Elétrica, o governo do Rio Grande do Sul vende as usinas de geração, onde estão terras indígenas ancestrais dos povos Kaingang e Guarani. O estado foi governado por Eduardo Leite (PSDB) até março e agora tem o também tucano Ranolfo Vieira Júnior à frente. O negócio, efetivado no último dia 29, tem como comprador a Companhia Florestal do Brasil. Do ramo de exploração madeireira, é ligada à CSN, com grande presença no setor de siderurgia.

As consequências da transação, avaliada em R$ 928 milhões, trazem grande preocupação aos ativistas defensores dos direitos dos povos originários. Para o Conselho Indigenista Missionário (Cimi), vinculado à Confederação Nacional dos Bispos do Brasil, o leilão consumou a entrega definitiva do patrimônio público. A distribuição de energia foi vendida para uma empresa chinesa e o seu controle para a CPFL Energia, uma empresa privada de São Paulo.

O Conselho considera que as terras ocupadas pelas comunidades indígenas também foram vendidas com a venda de todos os bens pertencentes ao estado gerenciados pela CEEE. Na lista estão áreas na Fazenda Carola, em Charqueadas; nas margens da Barragem Dona Francisca, em Estrela Velha; no Horto Florestal da Barragem Maia Filho e Aeroporto, em Salto do Jacuí; além de Mato Castelhano e a Barragem Bugres, em Canela.

Governo vende indígenas junto

“Com a privatização de todo este patrimônio do estado é como se o governador – e sua turma de governança – vendessem os indígenas junto com as usinas. Ou seja, o estado fica, aparentemente, desobrigado de discutir a posse, ocupação e a cessão de uso das áreas destinadas às comunidades indígenas. É fundamental destacar que tudo isso foi realizado sem consulta livre, prévia e informada dos indígenas que possuem o direito de posse das áreas há décadas, desrespeitando, com isso, a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT)”, diz trecho de manifesto do Conselho.

O Ministério Público Federal (MPF) ingressou com Ação Civil Pública, com pedido de urgência, solicitando a suspensão do leilão. A 9ª Vara Federal do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) concedeu a liminar favorável. Mas a Procuradoria Geral do Estado (PGE) entrou com Agravo de Instrumento contra a decisão. E o TRF4 cassou a liminar, mantendo o leilão com o argumento de que haveria prejuízos econômicos ao estado. E mais: que não percebia que os indígenas seriam prejudicados.

“Fato concreto: as áreas ocupadas pelos indígenas agora pertencem a Companhia Florestal do Brasil, empresa da CNS, que é vinculada à exploração madeireira e de minério e, não é por acaso, há interesse minerário em jogo, especialmente de carvão, fósforo, entre outros’, lembra o Cimi. O conselho questiona ainda as relações daqui por diante entre os empresários e os povos indígenas.

O Conselho Indigenista destaca que as comunidades têm direitos adquiridos de posse e usufruto de muitas áreas que eram do Rio Grande do Sul. E que e caberá, sem dúvida, discussões jurídicas importantes para assegurar a manutenção das comunidades na posse dessas áreas.

Luta contra o extermínio

Com apoio de entidades e movimentos (confira no final da reportagem), o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) também se manifestou de maneira contrária. “Essa situação nos revolta especialmente porque, entre os interessados na compra dos territórios dos nossos parentes, se apresentam empresas privadas que não possuem capacidade de gestão de barragens, principalmente no que diz respeito à criação de um ambiente seguro e saudável para os povos indígenas que residem no entorno desses lagos”, argumentam.

“Aqui na Amazônia fazemos lutas grandiosas contra a ameaça do garimpo, da exploração madeireira e das grandes barragens. Fazemos lutas grandiosas contra o extermínio e pela demarcação de nossas terras. Neste momento, sentimos a dor de nossos parentes do sul, que, já quase sem terras, sofrem mais esta ameaça e o risco de ficarem à mercê de grandes empresas privadas. Tal como acontece com tantos povos daqui, que sequer são reconhecidos como atingidos”, diz trecho da moção de apoio.

Assinam a carta do MAB:

  • Povo Munduruku
  • Povo Macuxi
  • Povo Wapichana
  • Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA)
  • Movimento Camponês Popular (MCP)
  • Central de Movimentos Populares (CMP)
  • Levante Popular da Juventude
  • Consulta Popular
  • Federação dos Trabalhadores na Agricultura (Fetagri/PA)
  • Quilombo do Icatu
  • Quilombo do Tambaí Açu
  • Federação das Comunidades Quilombolas do Estado do Pará (Fequipa)
  • Sindicato dos Trabalhadores e das Trabalhadoras em Educação Pública do Pará TV (Sintep)
  • Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST)
  • Rede Juruena Vivo (Mato Grosso)
  • Instituto Centro e Vida (Mato Grosso)
  • Operação Amazônia Nativa (Opan)
  • Fórum Teles Pires
  • Conselho Indigenista de Roraima (CIR)