'Não esperem pelo Brasil'

Na ONU, Cimi reforça pedido de socorro a indígenas brasileiros e seus defensores

O apelo foi feito durante a 50ª sessão ordinária do Conselho de Direitos Humanos. A Alta Comissária, Michelle Bachelet, diz estar alarmada com ameaças contra os direitos humanos e ambientais dos povos indígenas no Brasil

Foto povos Guarani Kaiowa
Foto povos Guarani Kaiowa
Enterro de Vitor Guarani Kaiowá, assassinado durante ação de fazendeiros e policiais em Naviraí (MS)

São Paulo – O Conselho Indigenista Missionário (Cimi) reforçou o pedido de socorro a indígenas brasileiros e seus defensores ao Conselho de Direitos Humanos (CDH) da Organização das Nações Unidas (ONU). “O sangue indígena derramado pelo Brasil não baixa a temperatura, mas agrava a febre da Mãe Terra”, denunciou ontem (28) o assessor internacional do conselho, Paulo Lugon Arantes, durante rodada da 50ª sessão ordinária, que começou em 13 de junho e se estende até 8 de julho.

Antes, o conselho vinculado à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) fez um apelo urgente: “Não esperem pelo Brasil!”. Ou seja, que o órgão internacional cobre do governo brasileiro a apuração desses crimes, o combate à impunidade, o controle das forças policiais e a retomada de políticas de proteção às vidas e territórios dos povos indígenas.

“O governo brasileiro que apure esses crimes, combata a impunidade, controle as forças policiais e retome políticas de proteção às vidas e territórios dos povos indígenas”, disse o secretário do Cimi, Luis Ventura.

Durante a apresentação de Lugon foram destacados diversos assassinatos, como os do indigenista Bruno Pereira e do jornalista inglês Dom Phillips, no Vale do Javari. Também o de Edivaldo Manuel de Souza, do povo Atikum, após ser torturado e espancado pela polícia dentro de sua própria aldeia. Além dele, quatro indígenas Atikum foram mortos em operações policiais arbitrárias nos últimos cinco anos.

Foi lembrado ainda o guarani kaiowá Alex Lopes, morto enquanto procurava lenha, e os quatro indígenas chiquitanos assassinados em Mato Grosso. Além do guarani kaiowá Vitor Fernandes, em ataque de fazendeiros e policiais de Mato Grosso do Sul em Naviraí, neste último fim de semana. No atentado, nove pessoas foram feridas por munição letal, sendo um adolescente, que permanece internado em UTI. Os indígenas haviam retomado o tekoha Guapo’y, em Amambai, em Naviraí.

Ameaças contra direitos

A denúncia foi feita no âmbito do painel de debates sobre “Efeitos adversos das mudanças climáticas sobre os direitos humanos das pessoas em situação de vulnerabilidade”, que contou com a presença do presidente do Conselho, Federico Villegas, e da Alta Comissária da ONU para o tema, a ex-presidenta do Chile Michelle Bachelet.

Na abertura do evento, Bachelet inseriu o Brasil em um grupo de 30 países em “situações críticas que exigem ação urgente”. Pediu às autoridades do Brasil que “assegurem o respeito pelos direitos fundamentais e instituições independentes”. E disse estar alarmada com ameaças contra os direitos humanos ambientais dos povos indígenas, incluindo a exposição em decorrência da mineração de ouro”.

Para a entidade, as relações entre as ações de proteção contra as mudanças climáticas e as populações vulneráveis são complexas. “Os povos indígenas são, ao mesmo tempo, vulneráveis às mudanças climáticas e agentes de mudança, no contexto dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável”, destacou Lugon.

No dia 23, ainda durante a sessão do Conselho, o secretário adjunto do Cimi, Luis Ventura Fernandez, denunciou o aumento da violência e das invasões em territórios indígenas, que “têm a cumplicidade deste governo, que abandonou a política de proteção territorial e alimentou um ambiente em que a vida é brutalmente aniquilada”.

Para o Cimi, os assassinatos do indigenista Bruno Pereira e do jornalista Dom Phillips revelam o país que o Brasil se tornou. “A Polícia confirmou em apenas 48 horas, às pressas, que não havia mandantes nesses dois assassinatos, desconsiderando denúncias da organização indígena local”, relatou Luis ao Conselho. O que torna a impunidade a maior segurança para quem mata e, principalmente, para quem manda matar no Brasil, alertou.

“No Brasil, as execuções se tornaram uma arma do Estado”, afirma o Cimi. A política anti-indígena adotada pelo atual governo e a criminalização dos defensores de direitos humanos e suas organizações são fatores que agravam a violência contra os povos indígenas no Brasil, intensificadas pela não demarcação e proteção dos territórios tradicionais.

Retomadas de territórios ancestrais

Representando a Aty Guasu – a Grande Assembleia Guarani e Kaiowá – e a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), Lunice Guarani Kaiowá denunciou a criminalização dos povos indígenas e de suas organizações. “Nossas próprias maneiras de reunir e autodemarcar nossos territórios”, disse, durante participação no diálogo interativo, no dia 17, quarto dia da 50ª sessão.

“É nosso direito retomar nossas terras. Nós somos da terra e, por ela, lutaremos até o fim”, afirma Lunice Guarani Kaiowá. Como já havia sido constatado pela Relatoria Especial sobre os “Direitos à Liberdade de Reunião Pacífica e de Associação”, Clément Nyaletsossi Voule, em sua visita, a questão fundiária e a demarcação dos territórios tradicionais têm sido a principal causa dos protestos.

Só na última semana, nos dias 22 e 25, no Extremo Sul da Bahia, o povo Pataxó retomou dois territórios tradicionais. A Terra Indígena Comexatibá e a Terra Indígena Barra Velha, na qual os indígenas foram expulsos a tiros, por supostos fazendeiros e seus aliados. Não diferente, em Mato Grosso do Sul, os Guarani e Kaiowá,

“As retomadas, forma de protesto indígena de ocupar nossos territórios tradicionais, demarcados ou não, são reprimidas com grave violência pela polícia e particulares”, destacou a jovem Guarani Kaiowá.  “Como mulher, minhas irmãs e eu, lideramos a retomada de nosso território tradicional. Ao enfrentar uma nova tentativa do ‘governo ruralista’ de liberar parte de nossas terras para exploração não-indígena, fomos violentamente despejados pela polícia do Estado, numa ação totalmente ilegal”.

O relato de Lunice à ONU foi feito dias após o assassinato de Alex Lopes, jovem Guarani Kaiowá, executado em uma fazenda que sobrepõe o território tradicional em Taquapery, em 22 de maio, e pouco antes do assassinato de Vitor Guarani Kaiowá, brutalmente assassinado pela Polícia Militar na última sexta-feira (24), no território Guapo’y. Enquanto ocorriam esses episódios, a sessão do Conselho seguia em andamento.

Paralisação da demarcação pelo governo Bolsonaro

“Estamos sofrendo graves violações. Os riscos à nossa segurança física aumentaram significativamente pelo que estamos bastante preocupados”, denuncia Marilene Guarani. A jovem é da Terra Indígena (TI) Tarumã, no litoral de Santa Catarina. Em março, uma das aldeias foi totalmente destruída por indivíduos acompanhados de policiais militares. Em abril, uma ponte que os indígenas usavam para acessar parte do território tradicional foi destruída por desconhecidos.

As denúncias, realizadas no dia 22 de junho, ocorreram durante o diálogo interativo sobre “Empresas Transnacionais e Direitos Humanos”. Isso porque, em maio deste ano, a “Empresa Karsten, indústria têxtil de capital aberto, ingressou com ação judicial contra nossas lideranças. A Empresa Karsten afirmou à Justiça Federal, mentirosamente, que nunca teria havido presença de indígenas na região”, explicou a jovem Guarani.

Segundo o Cimi, ao contrário do que afirma a empresa, um laudo judicial concluiu que as Terras Indígenas Piraí, Tarumã, Pindoty e Morro Alto, no litoral norte do estado de Santa Catarina, são de ocupação tradicional do povo Guarani. “Mesmo assim, estamos proibidos de ingressar em parte do nosso próprio território sagrado sob pena de sermos multados financeiramente”, relatou Marilene.

A atenção do Conselho da ONU se voltou ao alerta da jovem Guarani ao denunciar que “os riscos à nossa segurança física aumentaram significativamente, pelo que estamos bastante preocupados”. Organizações indigenistas que acompanham o caso concordam com a preocupação dos Guarani da TI Tarumã.

As ameaças contra os indígenas e suas organizações ganharam força nas quatros declarações orais realizadas ao Conselho de Direitos Humanos da ONU. Aos indígenas, “a paralisação da demarcação de nosso território por parte do governo Bolsonaro agrava a insegurança”.

Com informações do Cimi


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