Entidade ruralista

Governo Bolsonaro transformou Funai em fundação anti-indígena, diz Inesc

Documento inédito reúne informações detalhadas que mostram como o governo fez o órgão passar a trabalhar contra os povos indígenas

Marcelo Camargo/EBC
Marcelo Camargo/EBC
Política de não demarcação de territórios indígenas, redução de recursos, militarização e opressão dentro da Funai expõe povos indígenas a invasões e ataques violentos

São Paulo – O governo de Jair Bolsonaro transformou a Fundação Nacional do Índio (Funai) em órgão de políticas anti-indigenistas. É o que demonstra, em detalhes, o dossiê Fundação Anti-indígena: um retrato da Funai sob o governo Bolsonaro. O documento foi lançado hoje (14) pelo Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) e a associação Indigenistas Associados (INA).

Resultado de três anos de monitoramento conjunto, o trabalho analisa detalhadamente documentos oficiais desde o início de 2019. Também contém depoimentos, reportagens e publicações de organizações. Sua divulgação ocorre em meio à indignação com o desaparecimento do indigenista Bruno Araújo Pereira e do jornalista inglês Dom Phillips, colaborador do jornal The Guardian, no último dia 5.

Segundo o relatório de 210 páginas, Bolsonaro paralisou a demarcação de territórios indígenas, persegue funcionários concursados e lideranças indígenas e militarizou o órgão. Das 39 coordenações regionais da Funai, apenas duas são chefiadas por servidores.

Bolsonaro esvazia a Funai

Das 37, 19 são coordenadas por oficiais das Forças Armadas, três por policiais militares, duas por policiais federais, e o restante, servidores substitutos ou sem vínculo. No alto escalão, a diretoria é formada por dois policiais e um militar, além do presidente, Marcelo Xavier, que também é policial.

Desde que Bolsonaro assumiu, a Funai impôs a política da intimidação e do medo. E com isso aumentou vertiginosamente o número de processos administrativos disciplinares. Isso reduz o tempo para as tarefas dos indigenistas, destinadas às ações nos territórios indígenas.

Relatório mais recente da Funai, de 2020, aponta que havia 2.300 cargos vagos e 2.071 profissionais em atuação, dos quais apenas 1.717 eram funcionários efetivos.

“Com o dossiê, queremos registrar a magnitude do estrago que vem sendo operado nas entranhas da Funai”, disse Fernando Vianna, presidente da INA. “Em vez de proteger e promover os direitos indígenas, a atual gestão da Fundação decidiu priorizar e defender interesses não indígenas. Isso ficou claro no julgamento do marco temporal, que seria retomado agora em junho”.

Funai alinhada a ruralistas

Aliás, o recurso que originou o julgamento do marco temporal foi iniciativa da Funai. Entretanto, como mostra o dossiê, o órgão inverteu seu foco. Sob o governo de Jair Bolsonaro, se alinhou aos sindicatos e associações de proprietários rurais. Com isso, passou a defender teses jurídicas totalmente contrárias aos direitos conquistados pelos povos indígenas.

Os autores do dossiê partiram do discurso do presidente ainda em campanha: “Se eu for eleito, vou dar uma foiçada na Funai. Mas uma foiçada no pescoço. Não tem outro caminho”. O ataque começou nos primeiros meses, tentando submeter o órgão ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa). O STF derrubou a Medida Provisória criada para esse fim.

Inconformado, Bolsonaro entregou a Funai ao delegado Marcelo Xavier, aliado de Nabhan Garcia, atual Secretário Especial de Assuntos Fundiários do Mapa. O ruralista é notório antagonista dos direitos indígenas.

Erosão nos direitos indígenas

Ao longo do mandato, a expressão “demarcação de territórios indígenas” foi banida. Inclusive do orçamento. “A atual Funai se revela um caso gritante de erosão de direitos, não somente na política indigenista”, disse a assessora do Inesc, Leila Saraiva.

Na sua avaliação, o governo Bolsonaro se apoderou das estruturas do Estado para desconstruir garantias conquistadas. “Após mergulharmos nos materiais para a criação deste dossiê, constatamos que essas expressões se aplicam com exatidão à Funai”, disse Leila.

Em meio a tudo isso, o desmatamento em terras indígenas aumenta 138%, segundo o Instituto Socioambiental. Garimpeiros invasores viajam a Brasília em avião oficial. Medidas infralegais criam novos arranjos para exploração econômica das terras. Inclusive com uso de sementes transgênicas proibidas em terras indígenas. E no horizonte, há a ameaça da legalização da mineração e a exploração de madeira.

Clique aqui para ler o dossiê na íntegra