Transfobia dentro e fora

Diplomacia brasileira nada fez para impedir que ativista trans fosse deportada do México

Keila Simpson, que ia representar o Brasil no Fórum Social Mundial, realizado no México, e foi deportada, acusa transfobia na imigração do país. Ativistas brasileiros também foram ignorados na sede da embaixada

Reprodução/Youtube
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"Essa incongruência entre a foto e o nome deixou com que as autoridades do México cometesse mais um caso de transfobia", denuncia a ativista

São Paulo – A presidenta da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra), Keila Simpson, foi deportada do México, no final da tarde deste domingo (1º), onde ia participar do Fórum Social Mundial que começou nesta segunda e vai até o próximo dia 6. A ativista iria representar o Brasil como diretora da Associação Brasileira de Ongs, a Abong, e palestrar numa mesa que debate a violência contra a população trans. Ela considera ter sido vítima de transfobia, pois estava com toda a documentação regularizada para a viagem. 

Apenas seu nome não está retificado nos documentos, embora nas fotos ela esteja registrada em sua expressão de gênero feminina. Keila saiu do Brasil no sábado à noite e chegou ao Aeroporto Internacional da Cidade do México na manhã de domingo, quando o pesadelo começou. “Travesti não tem o direito de representar o Brasil. Eu sou diretora da Abong, fui representar a ABGLT e estava com tudo ok, passagem de ida volta, voucher de hotel. E eles me pediram o bilhete de volta, mas a gente não tem bilhete, ele agora é só eletrônico. A companhia só faz o check-in em 24 horas ou, no máximo, em 48 horas de antecedência do voo. A minha volta é para o dia 7 de maio. E eu estava chegando lá no dia 1º, então não tinha como mostrar o bilhete”, detalha.

“Eu mostrei o voucher eletrônico, que estava no hotel e que tinha uma delegação do Brasil lá (no hotel) com outras pessoas. Mas mesmo assim eles não deixaram eu passar com todos os argumentos. Não deu para passar e eu tenho a exata noção de que foi transfobia, porque eu não tenho o nome retificado. Meu nome de registro está no meu passaporte embora minha foto seja com meu gênero feminino. E essa incongruência entre a foto e o nome deixou com que as autoridades do México cometessem mais um caso de transfobia”, contesta a ativista.

Embaixada ignorou pedidos

Keila não só foi impedida de entrar no México, como passou doze horas, praticamente incomunicável, além de não poder se alimentar ou tomar banho. “Esse impedimento de ficar incomunicável também é uma violência que não pode acontecer. Eu tinha que ter minha rede social liberada para eu poder conversar com a chefe da nossa delegação que já estava no México. E ela estava desesperada”, acrescenta. 

Às 17h de domingo, mesmo com as tentativas da delegação brasileira de contatar a embaixada no México e do apoio da Comissão de Direitos Humanos local, Keila foi embarcada num voo com destino ao Brasil. A justificativa da imigração mexicana para a deportação foi a existência de “inconsistências” na documentação. A presidenta da Antra destaca que a diplomacia brasileira não tomou nenhuma atitude para intermediar o caso e que os ativistas brasileiros foram ignorados na sede da embaixada.

“O pessoal da delegação da Abong, que ia ao Fórum (Social Mundial), foi na embaixada e não foi recebido em momento nenhum pelo embaixador. Disseram que ele não estava lá. As embaixadas brasileiras que estão pelo mundo representam o governo do Brasil que está ai, é a mesma coisa, são pessoas brutas, que não têm nenhum tipo de solidariedade com os brasileiros que estão fora do país, que não têm nenhum tipo de empatia. A gente pôde ver diversas vezes no processo da covid, agora mesmo com a retirada das pessoas que estão na zona de guerra, as embaixadas não estão representando lá fora o que a gente queria que representasse para nós cidadãos e cidadãs brasileiras”, critica Keila.

Denuncia no FSM

A Abong emitiu uma nota nessa segunda-feira (2) exigindo ações do governo brasileiro, reparação pelo governo mexicano, além de manifestar espanto com a celeridade no processo de retorno.  A organização destacou que todos os outros ativistas da delegação brasileira apresentaram os mesmos documentos e nenhum teve sua documentação questionada.

Segundo a Abong, ativistas mexicanas informaram que a normativa do Instituto Nacional de Migração (INM) do país não está harmonizada com os mais altos princípios e parâmetros internacionais de direitos humanos. Ainda segundo a organização, Keila vai participar do Fórum Social Mundial de forma virtual e usará seu espaço para denunciar o episódio e cobrar retratação do país. 

Rádio Brasil Atual questionou a Embaixada do México no Brasil sobre a deportação de Keila, mas não teve resposta. Também solicitou posicionamento do Ministério das Relações Exteriores, mas também não houve retorno.

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