Poder do dinheiro

Redes sociais são ‘jardins privados’ que controlam o debate público, alertam especialistas

Renata Mielli e Sergio Amadeu apontaram a “opacidade” dos algoritmos das plataformas digitais como uma das principais ameaças à democracia e ao direito à comunicação

Aman Pal/Unsplash License
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Plataformas privadas não prestam contas sobre critérios de moderação e impulsionamento de conteúdos

São Paulo – Redes sociais como Twitter e Facebook são controladas por empresas transnacionais bilionárias que operam a partir da coleta massiva dos dados dos usuários. Por sua vez, esses dados são analisados por algoritmos “obscuros”, que definem o que as redes sociais devem mostrar a cada usuário. De um lado, as pessoas ficam presas a “bolhas”, recebendo conteúdos que reafirmam suas próprias convicções. De outro, para aumentar o engajamento, são bombardeadas com fake news e discurso de ódio, que causam repúdio e indignação. Sem qualquer “controle social”, essas plataformas se parecem com uma imensa “praça pública”, mas que, na prática, funcionam como “jardins privados”. Assim, a “desintegração” do debate público virou um risco constante aos regimes democráticos.

Esse foi o tema de um dos debates promovidos pelo Fórum Social Mundial Justiça e Democracia (FSMJD) nesta sexta-feira (29), em Porto Alegre. De acordo com o sociólogo Sérgio Amadeu, integrante do Comitê Gestor da Internet no Brasil e professor da Universidade Federal do ABC, o “gerenciamento opaco” e o “poder ilimitado do dinheiro” das chamadas big techs impõem enormes desafios às democracias do mundo. “Precisamos regular democraticamente essas plataformas. Elas fazem parte da esfera pública automatizada, e precisam estar em consonância com a democracia. É preciso dar transparência aos algoritmos, mas só isso não basta”, afirmou.

A jornalista Renata Mielli, coordenadora do Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé, alertou que as plataformas digitais interferem cada vez mais nos processos políticos em diversos países. “Todos sabemos que a (ex-primeira-dama) dona Marisa Letícia não foi vista em Roma. Porque ela já tinha sido inclusive sepultada. Mas todos nós compartilhamos, comentamos, com o propósito de denunciar. E estamos incentivando o algoritmo a dar relevância e escala a esse conteúdo”, explicou Renata. “Tudo isso se desenvolve na completa opacidade, sem que saibamos as regras do jogo.”

Transparência

Para os especialistas, a solução passa em buscar dar mais transparência ao funcionamento dessas plataformas. É preciso saber principalmente quais os critérios que elas adotam na moderação e no impulsionamento de conteúdos. “A democracia não convive bem com o poder ilimitado do dinheiro. Essas redes sociais são dutos de desinformação, porque tem gente pagando muito para impulsionar essa desinformação. E quanto está sendo gasto? Não sabemos”, criticou Amadeu.

A concentração é outro problema. No Brasil, por exemplo, 99% das pessoas têm o Whatsapp instalado, de acordo com pesquisa da Infobip. E 150 milhões de brasileiros estavam no Facebook no ano passado, segundo o site Statista. “As pessoas então ficam presas, sequestradas, dentro desses ‘jardins murados’ privados, onde elas buscam informação. São ferramentas e plataformas de captura da atenção, de sequestro cognitivo. O design das plataformas não favorece o debate público”, disse Renata.

Mecanismos de regulação

Diante desse cenário, a coordenadora do Barão defendeu a aprovação do PL 2.630/2020, conhecido como PL das Fake News, que está tramitando no Congresso Nacional. Seu principal objetivo é estabelecer regras e obrigações de transparência sobre as operações dessas plataformas.

Renata relembrou que é uma das vítimas do poder discricionário das big techs. No mês passado, ela participou do podcast Tecnopolítica, comandado por Amadeu, para discutir o PL das Fake News. A transmissão do programa no YouTube, no entanto, teve o seu alcance limitado, sem qualquer aviso prévio. Eles só descobriram as restrições justamente quando tentaram impulsionar o episódio. A plataforma de vídeos, que pertence ao Google, havia classificado o conteúdo como “perigoso e depreciativo”.

Para Amadeu, não adianta ter regulamentos sem uma “agência” com capacidade efetiva de fiscalização. Nesse sentido, ele defendeu a necessidade de estabelecer um “acordo internacional” que garanta o direito das democracias para fiscalizar as plataformas digitais.


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