para refletir

Tapa de Will Smith em Chris Rock no Oscar levanta debate sobre a condição da mulher negra

“Antes de atacar Will Smith se pergunte: quantas vezes vocês apoiaram mulheres negras que foram atacadas e desrespeitadas?”, provoca Djamila Ribeiro

Reprodução/Instagram/The Academy
Reprodução/Instagram/The Academy
Após receber o prêmio máximo para um ator em Hollywood, Smith chorou e pediu desculpas aos convidados e à Academia por ter cedido à provocação e agredido Chris Rock

São Paulo – Sob o ponto de vista estritamente cinematográfico, a premiação do Oscar deste ano, realizada na noite de ontem (27), ficou marcada pela vitória de Jane Campion, por Ataque dos Cães, na categoria Melhor Direção. É a primeira vez que a chamada Academia premia mulheres por dois anos seguidos nesta categoria. No ano anterior, Chloé Zhao levou a estatueta por Nomadland. Entretanto, a noite não foi apenas de celebração, mas também de polêmica. Em meio ao evento, o ator Will Smith levantou-se de sua poltrona na plateia, foi ao palco e deu um tapa no rosto do apresentador, o comediante Chris Rock, após este ter feito uma piada ofensiva contra a esposa de Smith, Jada Pinkett. O episódio levantou uma série de debates sobre racismo, machismo e até mesmo sobre “feminismo branco”.

Smith, que venceu a disputa pela estatueta de Melhor Ator por sua atuação em King Richard (2022), não aceitou e reagiu com violência à provocação. O comediante ironizou o fato de Jada estar sem cabelo, já que sofre de alopécia, doença que provoca a queda de pelos do corpo. Smith, então, levantou e deu um tapa em Rock. Ele ainda disse: “Tire o nome da minha mulher da sua boca”, visivelmente alterado.

Após receber o prêmio máximo para um ator em Hollywood, Smith chorou e pediu desculpas aos convidados e à Academia pelo incidente. “Faço loucuras por amor”, alegou. Apesar da atitude polêmica, o público presente mostrou-se compreensível com Smith.

Solidão da mulher negra

“Na noite em que o mundo assistiu a uma cena real de defesa da dignidade de uma mulher negra protagonizada por um homem negro, esse mesmo homem ainda ganhou o Oscar de melhor ator por uma atuação impecável”, disse a professora de história da Universidade de Brasília (UnB) e militante do Movimento Negro e das Mulheres Negras, Ana Flávia Magalhães Pinto.

Por outro lado, George Takei, o Hikaru Sulu na série Jornada nas Estrelas, destacou que o comportamento é arriscado, mesmo que Rock tenha feito por merecer. Esta foi a posição mais vista entre os atores da indústria cinematográfica. “Muita gente, especialmente crianças, busca exemplo nos atores. Por causa disso temos obrigação de tentarmos ser bons modelos de comportamento. Celebridade traz responsabilidade”, disse.

Já a filósofa Djamila Ribeiro, referência das lutas feministas e antirracistas no Brasil, fez uma reflexão sobre o assunto. Ela fez uma defesa de Smith, já que nas redes sociais a postura do ator foi considerada de machismo, por tomar as dores da esposa. “Tenho visto posts curiosos de feministas brancas chamando Will Smith de machista (…) Dizem que ele agiu como macho. Outras o chamam de imbecil. Que curioso. Mulheres negras NUNCA foram vistas como donzelas frágeis. A construção do feminismo negro é distinta”, disse.

“Partimos de lugares diferentes e as opressões agem de forma entrecruzada (…) A gente não vê essa comoção toda quando mulheres negras são vítimas de chacota, ataques, sendo o grupo que mais sofre com discurso de ódio nas redes sociais (…) Na grande maioria das vezes, mulheres negras lidam sozinhas com ataques porque as pessoas, partindo de uma visão racista e sexista, dizem que elas aguentam. Não enxergam humanidade nelas”, completou.

Por fim, a pensadora fez uma provocação. “Antes de atacar Will Smith se pergunte: quantos livros de mulheres negras vocês leram ou divulgaram? Quantos projetos de mulheres negras vocês apoiam? Quantas vezes vocês apoiaram mulheres negras que foram atacadas e desrespeitadas? Agiram ou se somaram ao ataque? Escolheram o silêncio e a omissão?”