Manhã de terror

Operação policial que matou oito na Penha é a mais letal do ano no Grande Rio

Ação conjunta da PM e da Polícia Rodoviária Federal teve início às 4h30 desta sexta na Vila Cruzeiro, dias após STF determinar adoção de plano para redução da letalidade em comunidades do Rio

Reprodução/PRF
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De acordo com o Instituto Fogo Cruzado, do início do ano para cá, houve seis casos com três ou mais mortos durante ações policiais

São Paulo – Uma operação da Polícia Militar e da Polícia Rodoviária Federal (PRF) deixou pelo menos oito mortos na manhã desta sexta-feira (11), na Vila Cruzeiro, no complexo da Penha, zona norte do Rio de Janeiro. As equipes chegaram ao local por volta das 4h30 e, desde então, moradores relatam pelas redes sociais uma ‘manhã de terror” com intenso tiroteio. De acordo com o Instituto Fogo Cruzado, que reúne dados sobre a violência armada, essa operação policial conjunta já é a mais letal de 2022 na região do Grande Rio. 

Do início do ano para cá, houve seis casos com três ou mais mortos durante ações policiais. Apenas nos 10 primeiros dias de fevereiro, ocorreram ao todo 16 mortes em favelas, incluindo as mortes nesta sexta. Foram seis mortos em Belford Roxo, na Baixada Fluminense, no dia 3; mais uma morte na comunidade de Vila Aliança no dia 5; e outra ontem, no Jacarezinho. 

As 17 escolas da Vila Cruzeiro ficaram fechadas por conta da operação. Segundo a secretaria municipal de Educação, as aulas nesta sexta serão remotas. Ao todo, 5.740 alunos ficaram de fora da sala de aula hoje. As clínicas da família Felipe Cardoso, Aloísio Novis e Kleber de Oliveira também foram fechadas, segundo a secretaria de Saúde do Rio, e a vacinação contra a covid-19 precisou ser suspensa. A rotina de muitos moradores foi alterada, impedindo o deslocamento ao trabalho e outras atividades. “Essa guerra sem fim, essa guerra não é nossa, não é justo, inocentes, trabalhadores, crianças e idosos perdendo suas vidas por causa de bala perdida”, lamentou um morador à Revista Fórum. “Sem condições de sair para trabalhar nessa chuva de balas!”, registrou outro morador em entrevista ao portal G1.

Inteligência?

Segundo a PM, os agentes estavam cumprindo mandados de prisão contra uma quadrilha de roubo de cargas. A operação visava prender Adriano Souza de Freitas, conhecido como Chico Bento, e apontado como traficante e um dos chefes do Comando Vermelho. A corporação disse ter informações de que Chico Bento estaria na Vila Cruzeiro desde que a comunidade do Jacarezinho foi ocupada, no início deste ano, pelo programa “Cidade Integrada”. Ele também era alvo da operação Exceptions, ocorrida em 6 de maio de 2021, no Jacarezinho, que entrou para a história do Rio como a mais letal, com 28 óbitos. Juntas, as duas ações somam 36 mortos, segundo informações do G1. Chico Bento, contudo, continua foragido.

Além das mortes, a Polícia diz ter apreendido sete fuzis, quatro pistolas, 14 granadas e 72 quilos de pasta básica de droga. A corporação também alegou ter agido com “inteligência” e que houve confronto e os oito mortos eram todos “criminosos” que “feridos não resistiram”. O jornal A Voz das Comunidades e um perfil da Vila Cruzeiro no Twitter divulgaram, contudo, imagens que mostram um grupo de mulheres negras carregando o corpo de um homem. De acordo com o ativista e empreendedor Raul Santiago, há denúncias de execução na região do complexo da Penha. 

“Quem não é morador de favela, jamais saberá a tensão que ficamos em dias de operação e com tantos tiros. Pensando que iremos morrer ou que alguém próximo vai. Que um tiro pode atravessar sua parede a qualquer momento e acertar seus pertences ou família. Há informações de números elevados de pessoas executadas no Complexo da Penha, durante essa operação da polícia”, escreveu em sua rede social.

Desrespeito à decisão do STF

A operação desta sexta na Penha também ocorreu a despeito da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 635, conhecida como ADPF das Favelas. Garantida pelo Supremo Tribunal Federal (STF), a medida prevê que as policias justifiquem a excepcionalidade para realização de uma operação policial em uma favela no Rio durante o estado de pandemia. 

Na semana passada, a Corte determinou que o governador Cláudio Castro (PL) adotasse medidas para reduzir a letalidade de ações policiais em comunidades do estado. Os ministros também deram prazo de 90 dias para apresentação do plano. 

A vereadora do Rio Monica Benício (Psol) classificou mais essa operação policial como uma “barbárie”. “Mais uma vez, sobram balas pra favela. Desde às 5h ninguém sai pra trabalhar ou pra escola no Complexo da Penha, já são 8 mortos pela PM. Clínicas da família fechadas, vacinação e testagem interrompidas. Ontem Jacaré, hoje Vila Cruzeiro. Isso é barbárie! A favela quer paz.”

A deputada federal Benedita da Silva (PT-RJ) também chamou de “guerra” a ação do Estado e criticou o “novo” programa de “ocupação social” do governo estadual, que tem como promessa levar políticas sociais, urbanização e segurança pública para as comunidades. “Não tem bom dia possível com uma cidade completamente em guerra. Cenas de tiroteio, barbárie e genocídio do povo negro-periférico. Fica exaustivo falar. Cansa. Não aguentamos mais! Parem de nos matar!”, exigiu. 

Conforme reportou a RBA, desde que foi implementado o projeto Cidade Integrada é visto com desconfiança pelos moradores de favela que criticam a falta de diálogo e planejamento com os interesses das comunidades. Especialistas de segurança pública também parecem céticos quanto ao programa que, segundo eles, repete erros antigos e não tem articulação multissetorial. 


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