Rio armado

Fogo Cruzado: Rio de Janeiro teve 4,6 mil tiroteios em 2021, aponta relatório

Ações policiais deixaram mais de mil pessoas mortas e especialistas alertam para o aumento da letalidade

MARCELLO CASAL JR/AGENCIA BRASIL
MARCELLO CASAL JR/AGENCIA BRASIL
Desde o ano passado, governo estadual desrespeita determinação do STF que mandou restringir ações policiais em favelas para casos excepcionais

São Paulo – A Região Metropolitana do Rio de Janeiro registrou 4.653 tiroteios em 2021, média de 12,7 tiroteios por dia. É o que revela um levantamento realizado pelo Instituto Fogo Cruzado. Ao todo, mais de mil trocas de tiros ocorreram durante ações policiais, apesar de uma decisão do Supremo Tribunal Federal restringir as operações em favelas apenas em casos excepcionais.

Os episódios deixaram 2.098 pessoas baleadas, sendo que 1.084 delas morreram. Os números estão abaixo dos registrados nos anos pré-pandemia, mas seguem alarmantes. Por outro lado, conforme explica a doutora em Sociologia Maria Isabel Couto, diretora do instituto, os dados do ano passado mostram uma tendência de aumento em comparação a 2020, principalmente da letalidade.

“Entre os dois anos houve um aumento de 1% no número de tiroteios, mas quando observamos o número de mortos o aumento foi de 21%. Portanto, o número de baleados está crescendo mais do que o número de tiros. É importante controlar a violência armada para preservar as vidas”, explicou à repórter Júlia Pereira, da Rádio Brasil Atual.

Jovens no fogo cruzado

Entre as pessoas mortas durante os tiroteios, estavam 15 adolescentes e quatro crianças, como Alice Pamplona da Silva, de 5 anos, morta após levar um tiro no pescoço durante a queima de fogos da virada de 2020 para 2021, na comunidade do Turano, no Rio Comprido.

Além das mortes, a violência armada afeta a infância e a adolescência de outras formas, como no acesso à educação. Em novembro, cerca de 500 alunos que moram no Complexo do Salgueiro, em São Gonçalo, não conseguiram realizar o primeiro dia de provas do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), devido à operação da polícia militar na comunidade.

“A violência armada afeta a possibilidade de acesso ao lazer e o futuro da nossa cidade, porque também tira o direito à educação desses pequenos cidadãos. É importante que o poder público pense e coloque em prática medidas de redução de danos, para que essas crianças tenham acesso a uma educação digna e ao lazer, permitindo, assim, construir um futuro de verdade”, afirmou Maria Isabel.

Dos 4.653 tiroteios registrados na Grande Rio de Janeiro em 2021, 1.354 foram durante ações ou operações policiais, 15% a mais em comparação ao ano anterior. Episódios de violência por parte dos agentes de segurança pública continuaram altos apesar da vigência de uma medida estabelecida pelo STF.

Ações ilegais

A ADPF 635, também conhecida como ADPF das Favelas, está em vigor desde o dia 5 de junho de 2020. Mas, desde maio do ano passado, após a posse do governador Cláudio Castro (PL), as polícias Civil e Militar passaram a desrespeitar a decisão do STF. É o que observa Carolina Grillo, uma das coordenadoras do Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos, da Universidade Federal Fluminense (UFF).

“Não apenas as polícias estavam desobedecendo uma decisão do Supremo, como estavam realizando mais operações do que antes da ADPF. Logo depois, de uma audiência pública que discutia a redução da letalidade policial, ocorreu a chacina do Jacarezinho. Esse relatório mostra que houve um aumento significativo, embora havia uma liminar que suspendia as operações”, lamentou ela.

A violência armada não mata só os civis, mas também quem atira. Em 2021, 181 agentes de segurança foram baleados. Oitenta e dois morreram, sendo que 48 estavam fora de expediente, além de 17 que já estavam exonerados ou aposentados. Segundo Carolina, a criação de um plano de redução da letalidade policial iria proteger não somente os civis, como também os agentes de segurança.

Após a chacina do Jacarezinho, em que 28 pessoas foram mortas, o governador afirmou que o estado iria criar projeto de segurança pública nas comunidades. Mas oito meses depois esse projeto ainda não foi divulgado. “Quando a gente insiste num plano de elaboração da letalidade policial, estamos falando também da morte dos próprios agentes. A insistência do Estado em manter conflito armado não reduz a ocorrência de crimes e colabora com um número alto de mortes”, finaliza Carolina.