Ocupação Nova Conquista

Famílias são despejadas em São Paulo mesmo após STF estender suspensão de remoções

Justiça determinou que os ocupantes de terreno localizado no distrito da Vila Sônia, na capital paulista, fossem retirados do local nesta quinta. Movimentos denunciam que o acolhimento das famílias, determinado por juíza, não foi garantido pela prefeitura

Benedito Barbosa/Divulgação
Benedito Barbosa/Divulgação
São mais de 240 famílias na rua, o que dá mais de mil pessoas. E tem muitas crianças aqui também, mulheres, idosos, pessoas doentes e em situação muito precária sendo colocadas na rua", descreve Dito Barbosa

São Paulo – Menos de 24 horas após decisão do ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), que prorrogou até 31 de março de 2022 as regras que suspendem as remoções durante a pandemia de covid-19, 248 famílias foram despejadas na cidade de São Paulo, nesta quinta-feira (2). Em decisão tomada ontem, o ministro determinou que a medida vale para imóveis localizados tanto na zona rural como na urbana. Mas este não foi o entendimento do Tribunal de Justiça (TJ-SP), que ordenou a retirada dos ocupantes do local na manhã de hoje. 

A ocupação Nova Conquista está localizada na Vila Sônia, na zona sul da capital paulista. A maioria das famílias reside no local desde abril e, segundo os relatos, a ocupação foi a forma encontrada por elas de garantir moradia em meio à situação de vulnerabilidade financeira agravada pela crise sanitária. O terreno, no entanto, pertence a uma construtora que entrou na Justiça solicitando a reintegração. 

De acordo com o Movimento Nova Conquista, o terreno ocupado não se enquadraria na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 828, que garante a suspensão para imóveis que estavam habitados antes de 20 de março do ano passado. Ainda assim, a desocupação do terreno deveria ter sido suspensa nesta quinta devido à falta de contrapartida da prefeitura de São Paulo em garantir um local provisório e seguro para essas famílias. O acolhimento também havia sido determinado pela Justiça, mas não foi providenciado. 

Despejo ocorreu de forma irregular

Entre os ocupantes, há aproximadamente 50 crianças e 30 adolescentes. Em pelo menos 23 moradias há pessoas idosas e com deficiência. E, de acordo com as lideranças, há dezenas de moradores com algum tipo de comorbidade. O advogado da União dos Movimentos de Moradia de São Paulo (UMM-SP) Benedito Barbosa, o Dito, conversou do local com a repórter Marilu Cabañas, no Jornal Brasil Atual desta manhã. 

Desde as 6h na ocupação para apoiar as famílias, Dito relatou que a reintegração chegou a ser suspensa por mais de uma hora, em tentativa dos movimentos de reverter a situação com o oficial de Justiça. A proposta das famílias e advogados do escritório Murilo Mendes – representante dos moradores – era adiar a remoção para o final do mês, o que garantiria tempo hábil para que as pessoas providenciassem suas realocações, contam.

“A gente pediu para que ele falasse novamente com a juíza, tentasse conversar. Porque não estava sendo garantido o que ela pediu, o abrigo para as famílias. Mas está todo mundo indo para a rua mesmo, infelizmente. Nessa época do Natal, nesse período de pandemia, é isso que estamos assistindo aqui em São Paulo, na cidade mais rica do país economicamente, e administrativamente e politicamente importante. Mas que, infelizmente, parece que os pobres não têm lugar nela, estão sempre sendo expulsos e perdendo as suas moradias. São mais de 240 famílias na rua, o que dá mais de mil pessoas. E tem muitas crianças aqui também, mulheres, idosos, pessoas doentes e em situação muito precária sendo colocadas na rua”, lamentou o advogado da UMM-SP. 

Famílias na rua

A Polícia Militar de São Paulo foi acionada para acompanhar a ação. De acordo com Dito, além da PM, moradores da região também foram ao local em solidariedade às famílias e indignados com o cumprimento da ordem. Os advogados que acompanham o caso estudam agora ingressar com um pedido de garantia de proteção do Estado para o direito à moradia dessas famílias. Dito explica que a falta de oferta de acolhimento por parte da secretaria municipal de Habitação (Sehab), tornou a manutenção da ordem de despejo “irregular”. 

“A prefeitura teria que oferecer um apoio para as famílias, mas não ofereceu. Então elas estão tentando encontrar algum lugar para ir, mas muitas não têm para onde ir e estão aqui sentadas, sem saber para onde vão”, observa.

Emergência habitacional

RBA procurou pela administração municipal, questionando sobre o acolhimento das famílias. Por meio da secretaria de Assistência e Desenvolvimento Social (Smads), a prefeitura alegou apenas que desde 2019 as famílias são acompanhadas pela Supervisão de Assistência Social (SAS) Butantã. Segundo o órgão, a equipe do Centro de Referência de Assistência Social (Cras) recebeu alguns moradores para cadastro e atualização do CadÚnico. “Na ocasião, as famílias foram orientadas sobre programas de transferência de renda e a procurar o Centro de Referência Especializado de Assistência Social (Creas) para o caso de optarem por ir para os serviços de acolhimento da rede socioassistencial”, argumenta. A pasta justificou ainda que para as famílias “é disponibilizado o cadastro nos programas habitacionais do município por meio da Cohab”.

Em nota, o Observatório de Remoções ressaltou que esta, que é a segunda remoção das famílias em menos de um ano, é um “reflexo direito da situação de emergência habitacional que vivemos”. O advogado da UMM-SP concorda. “Os governos não estão providenciando moradia, não tem política habitacional no país. O programa ‘Minha Casa, Minha Vida’ foi extinto e aqui no estado de São Paulo o governador extinguiu a CDHU. Então não tem política habitacional no país e as famílias estão sendo colocadas na rua nestas condições e nesse momento em que poderia ter sido obedecida a decisão do ministro Barroso. Mas nem quando o STF determina, as coisas são realizadas”, critica.

Assista à entrevista

(*) Nota atualizada às 12h48 para inclusão de nota da Prefeitura de São Paulo