Terra produtiva

Famílias protestam nesta terça contra despejo ilegal do acampamento Marielle Vive

Desde abril de 2018, terra então degradada produz alimentos orgânicos. Mas Justiça de São Paulo quer fazer reintegração de posse em plena pandemia

MST / SP
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Acampamento Marielle Vive, em Valinhos: produção agroecológica alimenta cerca de 500 famílias, entre elas 100 crianças que a Justiça de São Paulo quer despejar

São Paulo – “Sinto-me desonrada. Querem nos despejar de um local onde já fizemos a nossa vida. Um local onde procuramos o sonho de um pedaço de terra para plantar. E eles não querem saber se nós somos capazes, se nós temos família, crianças.” Júlia Machado, integrante dos Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), é moradora no acampamento Marielle Vive, na região de Valinhos (SP), desde o início, há três anos e sete meses. E agora vê tudo que foi construído ao lado de outras cerca de 500 famílias ser ameaçado pela reintegração de posse concedida pela Justiça à Eldorado Empreendimentos Imobiliários.

Trabalhadores sem-terra vão resistir a despejo em acampamento no interior de São Paulo

“Viver aqui é o resgate de tudo que já perdi ao longo do tempo pelo agrotóxico. Todo o tempo que passei sendo humilhada lá fora. O respeito e o valor que tenho aqui nunca tive lá fora. Aqui consigo enxergar um futuro que não consigo enxergar que eu possa ter um dia do lado de fora”, destaca a agricultora ao jornalista Rodrigo Gomes, da Rádio Brasil Atual.

Para manter todo esse sonho em pé, o MST promove nesta terça-feira (30), às 14h, um protesto em frente ao TJ-SP, na praça da Sé, centro de São Paulo. E avisa que vai recorrer da decisão.

Alimentos saudáveis

A ocupação teve início em abril de 2018, em uma área totalmente degradada, sem qualquer utilização pela Eldorado. Hoje, as cerca de 500 famílias vivem, trabalham e produzem alimento de qualidade, saudável, orgânico, sem agrotóxico, na terra antes degradada. Como foi ocupado após um mês do assassinato da morte da vereadora do Psol do Rio de Janeiro Marielle Franco, os sem-terra fizeram a homenagem.

“Quando a gente entrou, era puro pasto sem nenhum gado, tudo abandonado. E a gente transformou o local, e estamos transformando. Hoje é completamente verde. Tem produção agroecológica, a gente se alimenta do que colhemos e fazemos doações. Temos cozinha coletiva permanente em que fazemos três refeições diárias”, conta Tassi Barreto, integrante da coordenação do Marielle Vive.

Despejo é crime

A reintegração de posse foi concedida à Eldorado na semana passada, pelo Tribunal de Justiça de São Paulo. Não é a primeira vez que essa tentativa de acabar com o acampamento Marielle Vive acontece. Em 2020, a Eldorado já havia solicitado essa reintegração da posse do terreno, mas o processo foi suspenso diante da pandemia de covid-19.

O MST lembra leis que proíbem despejos na pandemia, como a decisão do ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal. E a Lei 14.226/21, sancionada em outubro.

“A crise sanitária não acabou, despejo em pandemia é crime”, lembra o movimento. Para a agricultora Patrícia Alves, coordenadora do acampamento , a decisão é revoltante ao ignorar que lá residem mais de uma centena de crianças, boa parte menos de 5 anos, e muitas famílias em situação de vulnerabilidade social. “Fica difícil acreditar em um Estado democrático de direitos pesando que os desembargadores que deveriam estar na defesa da lei, do povo, da Justiça, tomam uma decisão tão arbitrária em plena pandemia.”


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