Direito em xeque

Ação de Aras para enfraquecer Defensoria Pública afasta pobres do acesso à Justiça

Movida pela PGR, ADI 6.852, que contesta a prerrogativa de requisição de documentos por parte das Defensorias, será julgada nesta sexta (12) pelo STF. Defensores criticam “ataque orquestrado” à defesa judicial gratuita das pessoas mais vulneráveis

Agência Brasil
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"A defensoria trata de pessoas vulneráveis. E essas pessoas terão um processo anterior para daí começar a disputar o seu direito. Isso já será algo que afastará as pessoas do acesso ao Judiciário", denunciam

São Paulo – O Supremo Tribunal Federal deve começar a julgar nesta sexta-feira (12) a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 6.852 movida pelo procurador-geral da República, Augusto Aras, que questiona o poder de requisição de certidões, exames, perícias, vistorias, diligência, documentos, além de outras providências necessárias para a atuação das Defensorias Públicas. Essas solicitações são previstas em Lei Complementar desde 1994. Mas a PGR busca suspender a prerrogativa, ajuizando outros 22 processos contra legislações estaduais que reproduzem a regra. 

Na ação, Aras compara a atuação da defensoria ao exercício da atividade de advogados privados, que não possuem o poder de requisição. O que, segundo o procurador, transformaria os defensores em “super-advogados”. Embora haja alguma similaridade entre as duas funções, a atividade de um defensor público não é exatamente igual a de um advogado privado. O Artigo 134 da Constituição define a instituição, por exemplo, como um instrumento de “orientação jurídica, a promoção dos direitos humanos e a defesa, em todos os graus, judicial e extrajudicial, dos direitos individuais e coletivos, de forma integral e gratuita, aos necessitados”. 

Além disso, de acordo com o defensor público do Rio Grande do Sul Clóvis Bozza Neto, mestrando em Ciências Criminais pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-SP) a prerrogativa da requisição é justamente estabelecida para garantir equidade no processo aos mais pobres. “Em que pese um advogado privado não ter poder de requisição, não é difícil para uma grande empresa, ou um grande banco obter documentos. Mas estamos falando de pessoas vulneráveis. Inclusive essa prerrogativa da Defensoria serve para que essas pessoas vulneráveis, que não têm condições, às vezes, nem de subsistir, possam chegar em uma audiência contra essas partes mais empoderadas e ter por trás delas uma instituição como a Defensoria”, rebate Neto. 

Acesso à justiça em xeque

Em entrevista a Glauco Faria, do Jornal Brasil Atual, o defensor alertou que, se aprovada pelo STF, a ADI não só enfraquecerá o poder das Defensorias, como também prejudicará o acesso à defesa judicial gratuita dos mais pobres. Neto explica que a prerrogativa é importante principalmente porque muitas das pessoas atendidas sequer têm acesso a documentos básicos, como certidão de nascimento. E por isso são considerados “invisíveis” perante ao Estado. Mesmo assim, é por meio dessa requisição que o defensor consegue solucionar o problema administrativamente. Ou seja, sem a necessidade de ajuizar ações, o que poderia sobrecarregar ainda mais a demanda do poder Judiciário. Neto observa que, na prática, se suspensa a autorização para requisição de informações aos órgãos públicos, a demora dos atendimentos será maior e exigirá diligências por meio de processos judiciais. 

“A defensoria trata de pessoas vulneráveis, em situações extremas. E essas pessoas terão um processo anterior para daí começar a disputar o seu direito. Isso já será algo que afastará as pessoas do acesso ao Judiciário. E depois disso, quem garante que o judiciário vai atender aos pedidos da Defensoria Pública sobre essas diligências?”, questiona. “Eu já cansei de por vezes requisitar documentos judicialmente em processo e a decisão ser de que a parte que tem que tomar providências. Isso com o poder de requisição valendo”. 

Ataque

O próprio Ministério Público Federal, do qual a PGR é uma representação física e sede administrativa, possui a prerrogativa de requisição. Para o defensor, a suspensão dela ferirá o princípio de paridade das partes que já não é completo. “Primeiro que o assistido passa fome, ele não consegue pagar o aluguel, não tem luz. Segundo que em nenhum lugar do Estado, os vencimentos de defensor é igual ao do promotor de justiça. Ou há a mesma estrutura e condições de trabalho. Então já trabalhamos em total disparidade. É um ataque orquestrado pelo MP contra uma prerrogativa que viabiliza o trabalho de uma instituição que já sofre por suas várias deficiências em relação a todo resto da estrutura”, afere Neto. 

Até o momento, o julgamento é previsto para ocorrer em plenário virtual e já conta, segundo informações do UOL, com o voto favorável da ministra Cármen Lúcia. Em nota, a Defensoria Pública da União disse, contudo, estar confiante de que os demais ministros se manifestem contra o enfraquecimento do órgão. 

Confira a entrevista 

Redação: Clara Assunção


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