Fome

Menos área para cultivo, agrotóxico, distribuição: obstáculos ao direito humano à alimentação

Para marcar o Dia Mundial da Alimentação, neste sábado, Ministério Público Federal analisou as violações de direitos humanos por empresas do setor alimentício

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Com o tema "Reconstruindo a esperança", a iniciativa busca arrecadar alimentos destinados a famílias em situação de vulnerabilidade

São Paulo – O retorno do Brasil ao chamado Mapa da Fome, as tristes imagens de pessoas à procura de ossos e carcaças e o aumento dos preços de vários itens básicos deixam o país mais distante de assegurar a alimentação como direito humano fundamental. A fome é a ponta mais visível, mas os problemas incluem ainda o acesso a uma alimentação saudável, produção sustentável e adequada distribuição. Além de problemas como fraudes na comercialização e trabalho escravo ou infantil em algumas das cadeias produtivas.

Para marcar o Dia Mundial da Alimentação, neste sábado (16), o Ministério Público Federal (MPF), por meio da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC), promoveu nesta semana um debate com o tema “Violações de direitos humanos por empresas do setor alimentício”. Na introdução, a subprocuradora Ana Borges, procuradora federal dos Direitos do Cidadão substituta, citou pesquisa recente mostrando crescimento da insegurança alimentar e da fome no país.

Na Constituição

Ela lembrou ainda da Lei Orgânica de Segurança Alimentar e Nutricional (Losan) e da Emenda Constitucional 64, que definiu a alimentação como direito social. A mediação do debate foi feita pelo procurador da República Thales Coelho, coordenador do Grupo de Trabalho Direitos Humanos e Empresas, da PFDC.

Convidada pelos procuradores, a advogada Sofia Martinelli lembrou que o tema dos direitos humanos, incluindo a alimentação, se origina do pós-guerra, com a declaração universal aprovada pelas Nações Unidas. Posteriormente, surgiu o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (Pidesc), do qual o Brasil faz parte.

Cadeias produtivas

O cenário atual, lembra a pesquisadora, mostra em todo o mundo desenvolvimento das cadeias produtivas, surgimentos de grandes agentes econômicos e a consolidação da produção de alimentos como atividade industrial, em larga escala. Assim, afirma, o problema da fome não está na produção, mas na distribuição, no acesso. “A despeito de todo esse incremento produtivo, a gente vive um cenário em que a garantia do direito à alimentação ainda é uma preocupação.”

Segundo ela, a fome já vinha aumentando desde 2016, e a pandemia surgiu como um “catalisador” desse processo. “O fato é que estamos regredindo aos níveis de 2004 em relação à insegurança alimentar, grave e moderada. Em relação ao papel as empresas, a advogada defende um comportamento mais “cooperativo”. Sofia lembrou que muitas se mobilizaram para arrecadar e distribuir alimentos durante a crise. Mas, no debate, observou também que “as corporações ocupam um papel central na garantia e na violação desses direitos humanos”.

Guia Alimentar

A pesquisadora lembrou ainda de polêmica relativa ao Guia Alimentar para a População Brasileira, elaborado em 2014 pelo Ministério da Saúde, que sofreu críticas da pasta da Agricultura, além de uma nota técnica recomendando a revisão da publicação. Na ocasião, há um ano, o Núcleo de Pesquisas Epidemiológicas em Nutrição e Saúde da Universidade de São Paulo (Nupens/USP) considerou a reação “um descabido ataque à saúde e à segurança alimentar e nutricional do nosso povo”. Na exposição, Sofia – que integra a Yale-USP Food Law Clinic, parceria entre as universidades brasileira e norte-americana – fez referência ainda a relatos vinculando o cultivo da soja ao desmatamento ilegal, além da adulteração de produtos alimentícios.

O procurador da República Jorge Irajá Louro Sodré destacou paradoxos quando se fala no direito à alimentação. Enquanto muitas pessoas sofrem com a fome e a desnutrição, há também o problema da obesidade. “A fome tem aumentado, ao mesmo tempo aqueles que têm um certo tipo de alimento têm sofrido uma consequência (obesidade).” Isso se relaciona, acrescentou, com o direito de obter alimentos seguros e saudáveis, em quantidade e qualidade adequadas.

Agrotóxicos, até clandestinos

Por sua vez, o procurador do Trabalho Leomar Daroncho lembrou que no país comumente chamado de “celeiro do mundo” tem crescido muito o uso de agrotóxicos e diminuído a área de produção de itens como arroz, feijão e mandioca, em favor da soja e da agropecuária (em Mato Grosso, por exemplo, há aproximadamente 10 cabeças de gado por habitante). São mais propriedades usando agrotóxicos, maior mecanização e redução dos postos de trabalho. “A gente precisa pensar muito sobre a forma como está se dando essa produção”, diz Daroncho.

O procurador citou ainda noticiário apontando, por exemplo, a exportação de frutas brasileiras para a Alemanha, repletas de agrotóxicos. “Pesticidas que eles não admitem lá, mas que acabam chegando como resíduos nas frutas e nos cereais que nós exportamos”, comenta. E já existem vários casos, inclusive, da presença de defensivos agrícolas clandestinos. Outro problema está nos frigoríficos, que em muitos casos vêm acelerando o ritmo de produção, o que aumenta as doenças nos trabalhadores.

Assista aqui ao debate.


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