Protelação

Aras dá parecer contrário ao marco temporal. STF volta a interromper julgamento

Para Procurador Geral da República, prevalece a Constituição, que reconhece direitos indígenas originários sobre as terras de ocupação tradicional

Fabio R. Pozzebom/Ag. Brasil
Fabio R. Pozzebom/Ag. Brasil
Pressão indígena é grande. Mais de 5 mil indígenas marcam presença em Brasília e há manifestações em diversos estados

São Paulo – O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Luiz Fux, anunciou novo julgamento do marco temporal assim que o Procurador-Geral da República, Augusto Aras, deu parecer contrário à tese, apoiada por ruralistas e extrativistas. Fux anunciou a continuidade do julgamento na sessão da próxima quarta-feira (8), a partir das 14 horas. Na ocasião será lido o voto do relator, Luiz Fachin, contrário ao marco. Em seguida, os demais ministros devem começar a votar.

“O art. 231 da Constituição Federal reconhece aos índios direitos originários sobre as terras de ocupação tradicional, cuja identificação e delimitação há de ser feita à luz da legislação vigente à época da ocupação”, disse Aras, na leitura de seu parecer. Com o entendimento, o PGR adotou mesmo posicionamento do Ministério Público Federal (MPF) contra a tese do marco temporal.

A tese condiciona a demarcação de territórios indígenas à ocupação do local na época da promulgação da Constituição de 1988. Ou à comprovação de que a população foi removida da área à força, sob resistência persistente – o chamado “esbulho renitente”. No memorial enviado à Suprema Corte , Aras sustenta que o direito dos indígenas sobre suas terras é “congênito e originário”, independentemente de titulação ou reconhecimento formal.

Pró e contra marco temporal

Na sessão de hoje, Fux ouviu argumentos contários ao marco temporal por meio da sustentação oral de três advogadas ligadas à defesa da causa indígena. Na sequência falaram representantes de ruralistas, que têm interesse na declaração de constitucionalidade do marco temporal.

“Se o discurso contrário se baseia na ideia de que os indígenas devem produzir alimentos, como fazer isso sem a terra tradicional?”, questionou a advogada Lethicia Reis de Guimarães, representando o povo Xakriabá, amicus curiae no processo, a primeira das três que falaram hoje contra o marco.

Segunda a falar, a advogada Lucimar Carvalho defendeu os povos Apãnjekra Canela, Memortumré Canela e Akroá-Gamella, do Maranhão. Os três povos têm seus territórios sob intensa disputa e seriam diretamente afetados pelo marco temporal.

Proteção da Amazônia

“Os impactos desse julgamento transcenderão o âmbito individual e coletivo dos povos indígenas e terão consequências na proteção da Amazônia, que somente existe porque aí há povos que a cultivaram, cultivam e protegem”, disse Chantelle Teixeira, da Rede Eclesial Pan-Amazônica.

“A sua aversão histórica à ideia de propriedade privada, baseada na premissa de que ninguém deveria ser dono de algo que não tenha criado, leva esses povos a lutar para que o Estado demarque seus territórios tradicionais de forma coletiva”, disse, chamando atenção para a relação entre povos indígenas e a preservação da Amazônia.

Segundo a advogada, 65% das terras indígenas tem alguma pendência no procedimento de demarcação”. O marco temporal inviabilizaria a proteção destes territórios – e de toda a floresta”.

Produção agropecuária

Em seus cinco minutos para defender o marco temporal, o procurador do Estado de Santa Catarina, Fernando Filgueiras, fez uma fala semelhante à dos ruralistas: a rejeição do marco temporal vai prejudicar a produção agropecuária.

O que não é verdade, segundo o Instituto Socioambiental. Conforme ilustra aa organização, nem 1% das terras da União são ocupadas por Terras Indígenas, ao passo que as propriedades rurais correspondem a 67%.

Uma desproporção que vem aumentando muito durante o governo de Jair Bolsonaro. Segundo a Comissão Indigenista Missionária (Cimi), as certificações de propriedades privadas avançaram sobre os territórios Apãnjekra e Memortumré, no Maranhão.

O resultado é o acirramento dos conflitos e a devastação do Cerrado dentro do território de ocupação tradicional indígena. Entre os beneficiados, estão empresas e fazendeiros. Ao menos 83 propriedades foram certificadas sobre terras indígenas no estado, favorecendo grandes proprietários e fomentando conflitos.

Pressão dos latifundiários

Em seu perfil no Twitter, João Pedro Stédile, da coordenação nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), explica o que está por trás do marco temporal.

“Até as pedras sabem que a decisão do STF sobre o marco temporal, não é dúvida sobre o direito dos povos indígenas. É a pressão dos latifundiários, seu poder econômico, parlamentares e mídia, para garantir ‘o direito’ dos invasores do agronegócio sobre suas terras. Os povos indígenas não pedem a propriedade. Eles são apenas zeladores da natureza, até porque suas áreas são de propriedade da União, ou seja de todo povo, e não podem ser comercializadas.”

Aos povos indígenas, segundo Stédile, lhes exigem que morem em cima de todas as áreas. “Já 80% dos latifundiários moram na cidade, não moram em suas propriedades privadas. É porque uns cuidam da terra e outros, só exploram”, disse.

Gêneros “representativos”

Ontem (1) houve espaço apenas para as sustentações pró-povos indígenas , ou seja, contra a tese do marco temporal. No total das duas sessões, participaram 23 instituições, representadas por 13 mulheres. Já a favor do marco falaram 13 instituições, com a participação de apenas duas mulheres. Os demais eram homens brancos.


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