Pandemia de fome

Protesto da população de rua abre diálogo na Câmara contra fim do ‘Cozinha Cidadã’

Robson Mendonça se acorrentou em greve de fome na frente do Legislativo para cobrar uma alternativa ao programa que distribui refeições para cerca de 10 mil pessoas em situação de rua. Justiça, no entanto, nega liminar que podia manter o projeto de alimentação

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Para o presidente do Movimento Estadual da População de Rua, fim do programa Cozinha Cidadã "é mais que crueldade, chega a ser uma sentença de morte para as pessoas que vão passar fome"

São Paulo – Em um ato de desespero e força, o presidente do Movimento Estadual da População de Rua de São Paulo, Robson Mendonça, se acorrentou em greve de fome na frente da Câmara Municipal de São Paulo nesta segunda-feira (20). Ele reivindicava uma reunião com o presidente da Casa, o vereador Milton Leite (DEM), com o objetivo de encontrar uma alternativa para o fim do programa Cozinha Cidadã, que distribui refeições gratuitas para as pessoas em situação de rua. Anunciado pela prefeitura de São Paulo, o encerramento da rede deixará cerca de 10 mil pessoas sem acesso à alimentação na capital paulista. 

Após seis horas de ato, que teve apoio da Comissão de Direitos Humanos da Câmara, Mendonça recebeu a notícia de que Leite se reunirá com integrantes do movimento nesta quarta (22), às 16h. O presidente do MEPR destaca que o encerramento do programa Cozinha Cidadã, na atual situação da população de rua, “é um atentado contra a vida das pessoas e que pode ter graves consequências na cidade”. 

“Isso é mais que crueldade, chega a ser uma sentença de morte para as pessoas que vão passar fome. Porque muitos hoje em dia pegam uma marmita de comida e dividem, comem metade no meio do dia e metade de noite. E outros pegam duas marmitas para dividir entre seis pessoas. Quer dizer, ficar sem essa alimentação, imagina o desastre que vai ser. Muitos jovens vão ter até que roubar para poder comer, porque muitos não vão aceitar ficar o dia inteiro sem comer. São 10 mil pessoas que vão ficar com fome na cidade de São Paulo. Com esse ato a gente quer que o presidente da Câmara nos receba e com os vereadores crie uma alternativa para que essas pessoas não fiquem a ver navios”, explica. 

TJ-SP nega liminar

Dos cerca de 10 mil beneficiados com as refeições, 60% são pessoas em situação de rua. Os demais são pessoas que vivem de favor, em pensões ou moradores de ocupações. A gestão do prefeito Ricardo Nunes (MDB) alega que os beneficiários do programa Cozinha Cidadã não vão ficar sem atendimento e serão direcionados ao programa estadual Bom Prato. No entanto, lideranças da população de rua avaliam que os restaurantes Bom Prato não têm condições de absorver essa demanda. Os movimentos estimam em mais de 30 mil o número de pessoas em situação de rua na capital paulista. O número é superior ao indicado no último censo realizado pelo município. 

Apesar do avanço no diálogo com o parlamento municipal, no judiciário a população de rua não teve seu pleito atendido. O juiz Kenichi Koyama, da 15ª Vara da Fazenda Pública, negou o pedido liminar da Defensoria e do Ministério Público para determinar que a prefeitura mantivesse o programa de alimentação até o final deste ano. Segundo o magistrado, a continuidade ou não do programa Cozinha Cidadã é decisão da gestão Nunes. E o atendimento da população de rua é algo a ser resolvido entre os poderes públicos estadual, municipal e a sociedade civil.  

Consequência do fim do programa

Coordenador da Associação Rede Rua e conselheiro do Comitê Pop Rua da secretaria municipal de Direitos Humanos, Alderon Costa lamentou a decisão. Para ele, a Justiça “se esquivou da responsabilidade”. “Em alguns lugares da cidade, por exemplo, Santo Amaro, já foi encerrado o programa e já se tem a notícia de que as pessoas estão passando fome. E o que vão fazer? No desespero, o que vai acontecer?”, questiona Alderon. 

“Isso não é bom para a cidade, para as pessoas em situação de rua e não é bom para a gestão e para o judiciário também. Era importante restabelecer a rede Cozinha Cidadã. Estamos pedindo que a Defensoria e o Ministério Público recorram, porque a visão que o juiz traz está equivocada. Não é uma questão política a fome. É uma questão de decisão de vida prioritária, fundamental. Queremos abrir imediatamente um espaço de mediação de diálogo com a prefeitura para que se estenda por um período a mais”, completa o conselheiro.

O programa Cozinha Cidadã está previsto para ser encerrado neste sábado (25). Mas, até o momento, somente 4 mil cartões de acesso ao Bom Prato foram distribuídos dentre os mais de 10 mil beneficiários. 

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