Violência e espetáculo

A expulsão de Nego do Borel de ‘A Fazenda’ e a cultura do estupro

Espetacularização da violência reflete cultura do estupro, diz integrante da Sempreviva Organização Feminista

Reprodução/A Fazenda
Reprodução/A Fazenda

São Paulo – As redes sociais reagiram à acusação de estupro que culminou com a expulsão Nego do Borel do reality show A Fazenda, da TV Record. O cantor foi excluído do reality show e passou a ser investigado por estupro de vulnerável contra a modelo Dayane Mello, após uma festa do programa, na sexta-feira (24). Na manhã do sábado, o tópico “estupro na Record” chegou a ser um dos mais comentados no Twitter. 

“São gravíssimos os indícios de violência sexual contra uma mulher alcoolizada transmitida ao vivo num reality show de alcance nacional. A vítima precisa ser protegida imediatamente. A polícia deve investigar o possível estupro na Record”, afirmou a deputada federal Jandira Feghali (PCdoB-RJ). A deputada federal Sâmia Bomfim (PSOL-SP) também classificou a denúncia de violência sexual como “gravíssima” e que demanda uma investigação por parte das autoridades. A parlamentar afirmou ainda que é “fundamental” que a “emissora deixe de ocultar o caso”. Juliette, campeã do Big Brother Brasil 2021, da TV Globo, também se manifestou. “A apuração é necessária e URGENTE! Em qualquer situação onde uma pessoa seja incapaz de manifestar sua vontade (livre e consciente) a relação NÃO pode sequer ser iniciada”.

Na mesma linha, o deputado federal Orlando Silva (PCdoB-SP) escreveu que “é gravíssima a denúncia de que teria ocorrido o estupro de uma participante de um reality show da TV Record. Sendo fato, o crime é hediondo e exige pronta ação da emissora, ao denunciar e fornecer os elementos de prova, e das autoridades judiciais em punir. NÃO É NÃO!”.

Cultura do estupro

Para Sônia Coelho, integrante da Marcha Mundial das Mulheres e da Sempreviva Organização Feminista (SOF), a situação reflete a cultura do estupro, uma vez que se trata da “naturalização” da violência contra a mulher. “A cultura da violência é justamente esse processo de naturalização e banalização da violência sexual”. Coelho afirma que casos que naturalizam a violência acabam por reproduzir mais violência.

“Quando uma emissora decide dar visibilidade a homens acusados e indiciados por violência doméstica ou quando não se posiciona mesmo que sobre um suposto caso de estupro, há a ideia de que os homens podem exercer a violência do jeito que quiserem que não têm reprovação ou punição sobre isso. É extremamente grave”, afirma.

Ainda na avaliação de Sônia Coelho, casos assim acabam mostrando à sociedade que “os homens podem continuar com essas práticas e que as mulheres têm de se subordinar à violência sexual”.

Nas redes sociais, além da indignação com o gesto do cantor, internautas denunciam a omissão da TV Record. Isso porque a emissora ocultou trechos de A Fazenda em que Dayane Mello pede a Nego do Borel para parar.


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Ontem à noite, a apresentora de A Fazenda, Adriane Galisteu, chegou a criticar duramente Nego do Borel ao explicar sua expulsão, mas sem usar o termo estupro. “Quando uma mulher diz não, não é não. Mas quando uma mulher alcoolizada diz sim, também é não”, afirmou. A ex-noiva de Nego do Borel Duda Reis, também se manifestou. “Para a TV Record, deixo aqui meu repúdio por ter sido conivente com tudo desde o início. E lamento por só terem expulsado um agressor, abusador e estuprador por conta de empresas que não querem seus nomes veiculados para com o próprio”, escreveu.

“Como eu tinha falado, a naturalização da violência é um mecanismo extremamente perigoso que amplia a violência. Principalmente quando um canal de televisão não coloca a situação de gravidade, passa a impressão de que as pessoas não precisam se preocupar”, acrescenta.

Segundo o 14º Anuário Brasileiro de Segurança Pública, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), em 2020 foram registrados 66.123 vítimas de estupro, sendo 85,7% do sexo feminino. Isso representa um estupro a cada oito minutos. Lembrando que, de acordo com o artigo 213 do Código Penal, estupro se caracteriza a partir do constrangimento a alguém, “mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso”.

“Não é uma violência que acontece só na casa ou que acontece porque a pessoa estava num lugar escuro, numa determinada hora, nada disso. É uma violência que ocorre em praticamente todos os lugares onde tem homens e mulheres, em que a ideologia machista e patriarcal, o poder dos homens sobre as mulheres, impera”, avalia Coelho. 

Entenda o caso 

Vídeos que circulam na rede mostram o cantor segurando a modelo, que estava alcoolizada, em sua cama. Outros participantes ainda tentaram retirar Borel de cima da modelo, mas eles continuaram juntos na cama. 

Rico Melquiades afirmou que Borel estava “excitado” por estar deitado com Mello. Em outro momento, MC Gui disse: “Day, você tá bem? Tem certeza que você quer ficar aí? Quer ir para a sua cama ou ficar ai? Responde, Day”.

Outra participante, Solange Gomes, também interferiu: “Vai para sua cama, Day. Ela tá totalmente bêbada”. Quando as luzes estavam apagadas, vídeos mostram Mello dizendo “É que eu tenho uma filha” e “Para com isso, Nego”.

equipe da Dayane Mello afirmou nas redes sociais que a “polícia e a equipe jurídica estão na porta da sede” do programa” para dar “andamento nos trâmites legais do caso”. As autoridades policiais se dirigiram até o local para colher as “evidências do ocorrido, como roupas de cama, preservativo, vestimenta da vítima e do acusado, depoimentos, entre outros”, como informou a própria equipe da modelo. 

Os administradores das redes sociais da modelo também lamentaram o ocorrido. “Dayane completamente inconsciente e sem nenhuma faculdade de suas ações. Nada justifica! As devidas providências serão tomadas com imagens, vídeos, falas e ações de tudo que vimos assim que conseguirmos entrar em contato com os responsáveis”, informou a equipe. Também foi solicitado um pronunciamento da emissora.

No Twitter, a equipe da TV Record afirmou que os “fatos estão sendo devidamente apurados por uma equipe multidisciplinar” e que haverá um pronunciamento na noite deste sábado (25), durante o programa. Tamb´ém nesses momento a emissora omitiu os apelos de Dayane para que Nego do Borel parasse.

Histórico de acusações

Em nota oficial, a assessoria do cantor Nego do Borel informou que está acompanhando as “graves acusações”. “Somos totalmente favoráveis a apuração de todos e quaisquer fatos que ocorram dentro do reality, bem como a oitiva de todos os envolvidos”, afirma. A equipe também argumenta que “não se deve tomar nenhuma conclusão com base em vídeos cortados e áudios embaralhados”.

Aqui fora, Nego do Borel carrega acusações de violência doméstica contra três ex-namoradas. Uma delas é a modelo Duda Reis, que recentemente, no dia 17 de setembro, se pronunciou sobre a presença do cantor no reality. “A maior pena é uma emissora ter atitudes como essa em diversos anos colocar agressores com ficha criminal na TV e dar chances para esses homens. É muito triste, muito doloroso e um desserviço à sociedade”, disse a modelo em sua conta no Instagram.

No mesmo vídeo, Reis afirmou que Borel foi indiciado por “lesão corporal no âmbito da violência doméstica em razão da existência de indícios de lesão à saúde psíquica da vítima”, como informou a Secretaria de Segurança Pública de São Paulo ao G1. “Hoje Nego do Borel foi indiciado por violência doméstica contra mim. Acho que vocês precisam saber, principalmente quem duvida da palavra da mulher e sempre a coloca em questão.”


Com reportagem de Caroline Oliveira, do Brasil de Fato, e atualização da Redação da RBA


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