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TV pública? No atual governo, presidente invade a grade de programação

Frente em Defesa da EBC levantou centenas de cerimônias envolvendo o presidente da República, incluindo atos militares e religiosos. Desde 2019, essas interrupções somaram 10 dias

Reprodução
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São Paulo – A TV Brasil é pública por definição, mas neste governo seu uso muitas vezes tem finalidade privada. De janeiro a julho deste ano, a grade de programação foi interrompida em período equivalente a mais de três dias ininterruptos com atividades do presidente da República. Ou exatos 78 horas, 37 minutos e quatro segundos, em 97 eventos. Somem-se a isso mais 115 horas, 24 minutos e nove segundos de 157 eventos no ano passado. Já é o equivalente a oito dias dedicados exclusivamente à transmissão presidencial. Esse levantamento foi feito pela Frente em Defesa da EBC e da Comunicação Pública. A base de cálculos foram os arquivos “Agenda do Presidente” do canal da TV BrasilGov no YouTube.

Dez dias exclusivos

A “TV Bolsonaro” entrou no ar em abril de 2019, depois que uma portaria interna unificou as grades da TV Brasil (emissora pública) e da NBR (do governo federal). Ambas são operadas pela Empresa Brasil de Comunicação (EBC). Naquele ano, foram 51 horas, 44 minutos e um segundo de interrupções, com 90 transmissões ao vivo. Assim, os três anos de governo tiveram o equivalente a 10 dias só dedicadas à figura do presidente. No combo, 47 eventos com cerimônias militares e 12 religiosos.

Pela portaria, a programação passou a ser apresentada em um só canal. Segundo a EBC, a medida preservaria “o princípio da complementaridade dos sistemas público e estatal, sem qualquer prejuízo ao art. 223, caput, da Constituição Federal de 1988”.

Público e privado

“Porém, tal junção significa exatamente o contrário do que diz a portaria, pois o ato extingue a separação que existia entre o canal público e o canal estatal”, contesta a Frente em Defesa da EBC. O antigo Conselho Curador e o Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação denunciaram a inconstitucionalidade da medida.

“Muitos desses eventos com transmissão pela TV Brasil não atendem ao interesse público nem a critérios de noticiabilidade”, afirma anda a Frente. “São comuns as formaturas de escolas militares, cultos religiosos e inaugurações de obras, essas com forte caráter de propaganda eleitoral. Isso tudo com horas e mais horas de transmissão na TV que deveria atender ao interesse da sociedade, e não à promoção pessoal de um governante.”

Propaganda “descarada”

“Um evento que descaradamente fez propaganda eleitoral antecipada para Bolsonaro foi o de entrega do Residencial Solar São Mateus, no Espírito Santo. E com direito a um showmício, que interrompeu a programação da emissora pública por 1h20min50s e exibiu uma camiseta escrito “Bolsonaro 2022”, destaca a Frente em Defesa da EBC. Além disso, houve a live da fraude eleitoral”, em 29 de julho, quando o presidente supostamente apresentaria provas para comprovar sua tese pelo voto impresso: foram duas horas, sete minutos e 50 segundos ao vivo, sem prova alguma.

Até cerimônia de outros países a TV que tem Brasil no nome transmitiu. “Tanto em 2019 como em 2020 a TV Brasil transmitiu a comemoração do aniversário da Independência dos Estados Unidos em 4 de julho. Com cerca de meia hora em cada ano.”

A transmissão de anúncio de patrocínio ao esporte brasileiro, em 1º de junho, só ganhou 32 minutos e 50 segundos. E à assinatura do contrato de transferência de tecnologia da vacina AstraZeneca para a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) foi dedicado ainda menos tempo: 19 minutos e 45 segundos. Já a cerimônia de Juramento à Bandeira e Entrega de Espadins na Escola Naval, em 19 de junho, teve quase uma horas e meia de transmissão.


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